A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quarta-feira (26), para tornar Jair Bolsonaro (PL) réu pelos crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Esta é a primeira vez que um ex-presidente eleito é colocado no banco dos réus por crimes contra a ordem democrática estabelecida com Constituição Federal de 1988.
Os crimes estão previstos nos Artigos 359-L (golpe de
Estado) e 359-M (abolição do Estado Democrático de Direito) do Código Penal (CP)
brasileiro. A decisão foi tomada por unanimidade.
O colegiado entendeu que há indícios suficientes para o
prosseguimento do processo. Com isso, a ação entra na fase de instrução, na
qual serão colhidas novas provas e realizadas audiências para ouvir os acusados
e as testemunhas.
Referindo-se à acusação apresentada, no mês passado, pelo titular
da Procuradoria-Geral da República, Paulo Gonet, o ministro Alexandre de
Moraes, relator do caso no STF, enfatizou que “não há, então, dúvidas de que a
Procuradoria apontou elementos mais do que suficientes, razoáveis, de
materialidade e autoria para o recebimento da denúncia contra Jair Messias
Bolsonaro”.
O magistrado votou para que o
ex-presidente também responda, na condição de réu, aos crimes de organização
criminosa armada; dano qualificado pelo emprego de violência e grave ameaça; e
deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas superam 30 anos de cadeia.
Até o momento, seguiram o relator
os ministros Flávio Dino e Luiz Fux. Ainda devem votar a ministra Cármen Lúcia
e o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma. O colegiado é composto por cinco dos 11
ministros da Suprema Corte, onde
tramita a denúncia.
Em seu voto, Dino assegurou que as defesas terão oportunidade
de construir suas próprias narrativas, que serão levadas em consideração, no
momento adequado. "Justiça é diferente de justiçamento", enfatizou,
salientando que "temos que aferir a conduta, uma a uma, independentemente
do julgamento moral que tenhamos sobre a pessoa".
Fux, por sua vez, destacou que o voto do relator detalhou,
ponto a ponto, as condutas e crimes imputados ao ex-presidente e outros sete
aliados dele. "Em relação à autoria e à materialidade, a Procuradoria e o
ministro Moraes legaram à Turma e à sociedade tudo quanto nós precisávamos
saber para o recebimento da denúncia", destacou.
O magistrado ressalvou, contudo,
que, durante o processamento da ação penal, ele deverá apresentar divergências
em relação ao cálculo das penas. "Confesso que, em determinadas situações, me deparo
com uma pena exacerbada", explicou.
Acusação – Em sua
denúncia, a PGR apontou
que Bolsonaro tinha total conhecimento do plano golpista intitulado Punhal Verde Amarelo. O documento
arrestado pela Polícia Federal, no curso das investigações, continha o
planejamento e a execução de ações para assassinar o atual presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSDB) e o
ministro Alexandre de Moraes.
O órgão também afirma, de forma categórica, que o
ex-presidente estava ciente da minuta do decreto de golpe de Estado, por meio
do qual ele e seus aliados estariam planejando executar o sequestro do Poder
Central do país.
Em seu voto, Moraes afirmou não
haver qualquer dúvida quanto ao envolvimento e ao conhecimento de Bolsonaro
acerca do documento. “Não
há dúvida que o denunciado Jair messias Bolsonaro conhecia, manuseava e
discutiu sobre a minuta de golpe”, acusou.
Segundo o relator, as implicações disso para o cometimento
dos crimes imputados, pela PGR, a Bolsonaro ainda devem ser verificadas, durante
a instrução da ação penal. “A interpretação do fato vai ocorrer durante a
instrução penal”, explicou.
Sem seu voto, Alexandre de Moraes salientou
que o plano golpista começou a ser posto em prática em julho de 2021, quando,
em uma transmissão ao vivo pela internet, Bolsonaro “atacou as urnas
eletrônicas sem nenhum fundamento e sem apresentar nenhum elemento concreto”.
O objetivo disse, enfatizou o ministro, seria insuflar
aliados e criar um clima propenso para que Bolsonaro permanecesse no poder,
mesmo sendo derrotado nas urnas, em 2022.
Conforme narra a denúncia, disse Moraes, houve, ainda, um “aumento
da intensidade da agressividade, de forma progressiva, integrando a execução”
do plano autoritário do ex-presidente.
OUTROS RÉUS – A maioria da Primeira Turma também
votou para que mais sete aliados de Bolsonaro se tornem réus na mesma ação
penal sobre a tentativa de golpe de Estado.
Os oito investigados que compõem o
chamado “núcleo crucial” da denúncia são: Jair Bolsonaro, ex-presidente da
República; Walter Braga Netto, general de Exército, ex-ministro e vice de
Bolsonaro na chapa das eleições de 2022; Augusto Heleno, general do Exército e
ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; Alexandre Ramagem,
ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência - Abin; Anderson Torres,
ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal; Almir
Garnier, ex-comandante da Marinha; Paulo Sérgio Nogueira, general do Exército e
ex-ministro da Defesa; e Mauro Cesar Barbosa Cid, delator e ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro.
Detalhamento – O voto do
relator se estendeu por mais de 1 hora e 40 minutos, tempo no qual Alexandre de Moraes recorreu
a vídeos, tabelas e estatísticas, para rebater cada uma das oito defesas.
O magistrado começou por destacar a violência dos atos
golpistas do 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes da
República foram invadidas e depredadas por apoiadores de Bolsonaro.
Imagens da “batalha campal”, como descreveu o ministro, foram
exibidas em um telão. Como forma de rebater as alegações de falta de provas,
Moraes também apresentou, na parte final de seu voto, uma tabela relacionando os
atos apontados pela PGR como criminosos e todas as provas documentais colhidas
pela Polícia Federal (PF).
Para Moraes, o procurador-Geral da
República, Paulo Gonet, “descreveu satisfatoriamente os fatos típicos ilícitos,
com todas as circunstâncias, dando aos acusados o amplo conhecimento dos
motivos e das razões pelas quais foram denunciados”.
O magistrado frisou, ainda, que o julgamento de hoje tem o
intuito, somente, de verificar se há indícios materiais suficientes para se
abrir uma ação penal, na qual as defesas terão a plena oportunidade de
construir suas próprias narrativas sobre os fatos apresentados pela acusação.
*Com informações da
Agência Brasil e do Estado de Minas.