Pretas!
25 de Julho, Dia de Tereza Benguela e da Mulher Negra
Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso, entre 1750 e 1770.
A viúva Tereza Benguela não ficava de fora de nenhum assunto do Quilombo Quariterê. Podia ser o nascimento de uma criança ou o levantar de uma parede, Tereza se envolvia e sua voz altiva representava sempre a palavra final em qualquer decisão sobre a cidadela e seus moradores.
Outro dia ela comandou um confronto com uma patrulha de portugueses e à noite contava histórias para as crianças do Quilombo como se tivesse saído para colher frutas com as outras mulheres.
Quando Zé Piolho, então marido de Tereza, morreu, não havia dúvida de que ela seria a Rainha e o sucederia na liderança do Quilombo.
E assim foi por 20 anos, até que os portugueses dizimaram o Quilombo Quariterê e a Rainha Tereza Benguela, do Quariterê, sucumbiu lutando.
Uma Preta que lutou!
Ilha de Itaparica, Bahia, 1822
Maria Felipa estava cansada e dessa vez não era do coletar, pescar e limpar mariscos e peixes. Era de lutar.
Seu grupo queimara duas embarcações portuguesas que pararam próximo da praia de Itaparica. Os portugueses insistiam em se aproximar da ilha baiana, mas a gigante Felipa não deixava. Comandava um grupo que contava com índios e mulheres negras, contra os colonizadores.
Maria Felipa lutou muito por essa terra.
Mais uma Preta que lutou.
Rua da Graça, Graça. Salvador, Bahia, 2017.
Por volta das 18h, um dos pontos de ônibus de um bairro tradicional soteropolitano está cheio. A maioria das pessoas que se aglomera na estreita calçada é de mulheres negras que recém deixaram as casas das famílias em que trabalham como empregadas domésticas.
Dentre elas está Tereza da Cruz.
Tereza é babá de Maria Eduarda. Recebe um salário mínimo por mês e teve sua carteira de trabalho assinada recentemente, benefício que lhe trouxe como ônus trabalhar nas manhãs de sábado.
No bairro de Valéria, onde Tereza reside em uma pequena casa, convive com seu atual companheiro e um filho, fruto de seu relacionamento anterior. As mesmas tarefas que lhes são impostas no trabalho são repetidas em seu lar.
Tereza aprendeu a ler e escrever, diferente de sua mãe, que apenas desenhava o nome e da mãe de sua mãe, que nem desenhar teve oportunidade e aos 30 anos não tinha mais dentes de tanto apanhar de seu dono.
Tereza da Cruz é mais uma que luta todos os dias por sua sobrevivência.
Outra Preta que luta!
***
Serviçais, domésticas, secretárias, assistentes do lar, babás, lavadeiras, muitas de nossas netas de escravas não conseguiram ainda ascender nos campos social, econômico, financeiro, educacional e profissional. Essas Terezas da última história inundam nossos pontos de ônibus todos os dias.
Do século ao XVIII ao XXI não vimos tantas mudanças na situação da mulher negra no Brasil. Quantas Terezas e Felipas são encontradas nos Mestrados e Doutorados? Quantas Terezas e Felipas atualmente morrem lutando?
Na verdade, hoje, nossas Terezas e Felipas morrem tentando sobreviver: do preconceito, da falta de oportunidade, do assédio, da exclusão, do desrespeito e da violência.
Diante desse quadro que somente com a união de todas as pessoas conseguiremos reverter, talvez em uma ou duas gerações, é que foi estabelecido o dia 25 de julho como o Dia da Mulher Afro Latino-Americana e Caribenha, data firmada no I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, realizado em 1992 em Santo Domingo, República Dominicana,
recepcionada no Brasil pela Lei 12.987, de 2 de junho de 2014, como sendo o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
Que no dia de hoje todas incorporemos o espírito de Tereza de Benguela, de Maria Felipa e de todas as Terezas e Felipas que lutam todos os dias pela sobrevivência no Brasil.
Por Augusto Cruz