O ex-secretário de Saúde do Estado da Bahia, Fábio
Vilas-Boas, exonerado a pedido, nesta terça-feira (3), após agredir a chef de cozinha Angeluci
Figueiredo, chamando-a de "vagabunda", por mensagem de texto encaminhada via
WhatsApp, gravou um vÃdeo despedindo-se do cargo. Na gravação, publicada, nesta
quarta-feira (4), nas redes sociais, ele diz que "honrou missão" e que aprendeu
muito com os servidores.
O ex-titular da Sesab não voltou a comentar a agressão,
ocorrida no último domingo (1º), após encontrar o famoso restaurante Preta, comandado
pela profissional, na Ilha dos Frades, fechado por recomendação da Capitania
dos Portos, em função do mau tempo. Vilas-Boas, que apenas pediu desculpas, via
Twitter, "pelos comentários inadequados" na segunda-feira (2), limitou-se, no
vÃdeo, a falar sobre os investimentos na saúde pública e sobre o legado que
deixa para a próxima gestão.
Ontem, o Governo do Estado anunciou que o cargo será ocupado,
interinamente, pela subsecretária Tereza Paim e que o novo titular será
apresentado nos próximos dias. "Considero que chegamos aqui, nesses seis anos e
meio de governo, tendo avançado bastante na construção do sistema público de
Saúde. Não só na assistência básica, mas também na assistência de média
complexidade e na assistência hospitalar. Fizemos uma revolução na saúde
pública, investimos bilhões de reais na construção de mais de 20 policlÃnicas
regionais de saúde, 10 hospitais e mais de 36 unidades sendo reformadas,
ampliadas e sendo modernizadas", enumerou o ex-gestor da Saúde.
O médico cardiologista, que comandava
a pasta desde 1º de
janeiro de 2015, destacou, ainda, que
deixou diversos projetos em curso e uma secretaria ordenada. "Deixo para o meu
sucessor uma secretaria organizada, unida, com projetos em andamento para serem
lançados para os próximos quatro a seis anos", declarou, ao tempo em que
agradeceu ao governador Rui Costa pelo convite para assumir a Sesab.
Ele também fez um agradecimento às pessoas que trabalharam na
sua gestão. "Quero agradecer a todos os servidores da Secretaria Estadual de
Saúde, que estiveram ao meu lado. São dezenas de pessoas que trabalharam
diretamente comigo, foi um grande aprendizado e quero agradecer a cada uma
dessas pessoas pelo que me ensinaram. Aprendi bastante, aqui na secretaria, e
vou levar essa bagagem comigo. Deixo a eles todo o meu abraço, a minha estima e
o meu respeito", frisou.
Sobre o exercÃcio da função,
Vilas-Boas disse que honrou a missão que lhe foi confiada. "Tenho a convicção
de que, ao longo dos próximos anos da minha vida, nos encontraremos de novo, em
outras oportunidades. Eu tenho a certeza de que soube honrar a missão que me
foi confiada, soube honrar o nome da minha famÃlia e soube honrar à minha
famÃlia e aos meus amigos. Considero, aqui, a minha missão cumprida", aferiu.
POSICIONAMENTO
DO Governo - Ao G1, na
manhã de ontem, o governo da Bahia disse que não se manifestaria sobre o
ocorrido, mas voltou atrás e, por volta de meio-dia, emitiu uma nota,
lamentando o episódio de violência verbal protagonizado pelo agente público. "Por
meio da Secretaria de Comunicação, o governo do estado afirma lamentar o
episódio, considera inadmissÃvel qualquer tipo de agressão e manifesta total
solidariedade à empresária Angeluci Figueiredo e a todas as mulheres", diz o
documento.
Ameaça
- Além do xingamento
e de outras ofensas, o então secretário de Saúde ameaçou a chef de difamá-la na
imprensa e no meio empresarial. "(...) Esqueça
de me ver de novo aqui. E ainda paguei R$ 350 para desembarcar. (...) Amigo o
caralho! Vagabunda", escreveu Vilas-Boas.
Após receber as mensagens, Ageluci escreveu uma longa
mensagem, questionando a postura agressiva do ex-gestor. "Pergunto-lhe: o que
autoriza uma autoridade, no exercÃcio de uma função pública das mais relevantes
do estado - a de secretário de Saúde do Estado da Bahia, e durante uma
pandemia, o que torna a sua função sinhá (sic) mais responsável - chamar uma
mulher de VAGABUNDA? O senhor admite algum senso de possibilidade de
razoabilidade no seu gesto, no uso dessas palavras? E como se fosse
insuficiente essa ofensa, o senhor me ameaça, de queixar-se a empresários e de
me expor nos meios de comunicação, secretário", disse a empresária.
A chef defendeu-se das acusações feitas por Vilas-Boas e reiterou
o motivo de força maior que levou ao fechamento do restaurante no domingo. "Os
tempos mudaram, secretário: inexistem contextos que justifiquem essa relação de
senhor e vassalo. Eu não sou vagabunda. Sou uma mulher digna, honrada,
profissional, empresária, geradora de empregos e com uma árdua rotina de
trabalho, fÃsica, inclusive, para realizar um sonho e um projeto de oferecer
aos meus clientes um serviço de qualidade. Mas não de qualquer jeito: só quando
as circunstâncias me permitem", reiterou, referindo-se à determinação da
Capitania dos Portos, que, no mesmo dia, também recomendou a suspensão da
travessia Salvador-Mar Grande.
MISOGINIA - Além disso, ela também identificou o
posicionamento do médico como misógino, isto é, como fruto de ódio ou aversão à s
mulheres. "O senhor sabe o que é ser misógino, secretário? Sabemos que sim, o
senhor sabe. Mas sabemos que nesse paÃs ninguém é racista, ninguém é misógino.
Aqui não há nunca vÃtimas, só vitimismo e mimimi, afinal devemos garantir que
autoridades se sintam à vontade para sacar o telefone e chamar uma mulher de
vagabunda, simplesmente porque pode, porque um desejo foi frustrado pelo tempo",
argumentou.
A partir daÃ, Angeluci Figueiredo, mulher negra, passa a
questionar se seu agressor faria o mesmo com um homem branco. "Vou reiterar a
misoginia: o senhor chamaria de vagabundo um homem branco, dono de um
restaurante, pelo fato de esse homem ter sido impedido de lhe atender num
domingo de chuvas e ventos fortes? Fiquemos por aqui. O senhor sabe que não sou
vagabunda, não sou irresponsável, não vivo de mesada de quem quer que seja e
que, diferentemente do que o senhor me escreveu, eu preciso trabalhar.
Felizmente, preciso e gosto muito do que faço. Não nasci ancorada por sobrenome
tradicional e nunca exerci cargo público, esferas onde pessoas com esse perfil
que me atribui volta e meia circulam na imprensa", retrucou.
A chef finalizou pedindo a Vilas-Boas que repensasse sua
postura. "Reflita, secretário e serei generosa e didática: se for me expor na
imprensa, envie às redações o print do monólogo ofensivo que direcionou a mim.
Talvez esteja enganada, mas me parece que, caso me exponha, isso diz muito mais
sobre o senhor do que sobre o meu caráter e sobre minha moralidade", ponderou.