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Baiano da região conhecida como Sertão da Ressaca, no município de Vitória da Conquista, Dom Zanoni Demettino Castro tem uma voz calma, mas uma presença forte, e se considera “atencioso a cada palavra ouvida”. Para ele, a atenção ao que o outro tem a dizer também é uma necessidade da igreja, que não deve impor uma verdade e precisa se adaptar às mudanças do mundo moderno.
Ele recebeu a Tribuna Feirense no Seminário Sant´Anna Mestra, no Centro Diocesano do Alto do Papagaio para falar sobre os desafios do seu trabalho nas 39 paróquias da arquidiocese de Feira de Santana, que engloba 19 cidades e cerca de 982 mil habitantes.
Tal qual Feira, a região de nascimento de Dom Zanoni é de transição entre caatinga e mata atlântica. Para ele, a região tem uma cultura, música e culinária específicas, mas ele se diz “um baiano nem melhor nem pior do que os outros”.
Foi ordenado padre em dezembro de 1986, fez filosofia no Seminário Maior Diocesano, em Brasília, teologia em Ilhéus, pós graduação em liturgia em São Paulo e concluiu um mestrado na PUC do Rio de Janeiro. Foi pároco em Vitória da Conquista até 2007, quando foi nomeado bispo de São Matheus, no Espírito Santo. Aos 52 anos, retorna à Bahia como arcebispo coadjutor, ordenado pelo Papa Francisco.
A igreja deve revisar antigos conceitos para manter ou atrair novos fiéis?
As igrejas precisam estar adequadas a situações novas, viver um mundo novo, diferente. O mundo hoje exige uma postura diferenciada da Igreja, não é mais possível continuar com as mesmas posturas de antigamente. A igreja hoje precisa de fato se preocupar com a pessoa humana que vai além dos preconceitos, que não rotula os outros, que sabe dialogar, e no diálogo a gente tem que partir da verdade para o outro. Não cabe a pessoa hoje em dia impor uma verdade de maneira intransigente e passar isso "goela abaixo". Por isso que meu posicionamento é sempre o do questionamento. A igreja não é a comunidade daqueles que torcem pelo mesmo time, que frequentam o mesmo clube e que votaram nos mesmos candidatos nas eleições passadas. Mas sim a comunidade daqueles que foram incorporados a Jesus.
O senhor será o primeiro arcebispo negro de Feira de Santana. Este fato tem importância especial ou é apenas um detalhe?
O fato de ser negro pode ser uma questão talvez porque estávamos acostumados a ter bispos europeus. Até um tempo atrás, baianos nem mesmo padres podiam ser. Hoje há uma valorização, por parte da igreja, da cultura, da tradição e quem nasce aqui tem uma forte influência da cultura e da tradição africana. Embora tenhamos recebido influências de outros países, sejamos um povo multiétnico, somos uma maioria absoluta de negros na Bahia e ser um bispo negro está de acordo com a cara do povo baiano. Isso mostra a multiplicidade da cultura e da riqueza da nossa tradição baiana. Eu fui bispo por sete anos no Espírito Santo, em uma cidade maior, que tem uma tradição europeia mais forte e não tive dificuldades. Aqui me sinto em casa, a tradição do nosso povo e nosso jeito tem a ver comigo, embora por formação tive a oportunidade de ver outras culturas e outras tradições. Hoje percebemos que é uma tendência tornar bispos os missionários daqui. Em Vitória da Conquista já tivemos quatro, em Jequié também.
O senhor escreveu artigos sobre Zumbi dos Palmares e sobre as eleições, posicionando-se contra um dos lados da disputa, onde não haveria “espaço para os pobres”. Isto significa que seu arcebispado será ativo em participar de questões políticas, inclusive locais?
Sou uma pessoa livre e por ser bispo, um pastor é aquele que conduz o povo, não pode impor às pessoas o seu pensamento. O pastor é aquele que conduz, que junta, que se relaciona com a diversidade das pessoas, a pluralidade do mundo. O pastor é aquele que cuida. Embora a política partidária seja algo muito importante, valiosa, é sempre só uma parte. A missão do bispo é da unidade, propondo caminhar juntos e dar propostas que sejam significativas para a sociedade como um todo. Estes posicionamentos mencionados foram feitos por mim, em redes sociais, em época de discussão pelos 50 anos da ditadura e também pelo aniversário da abolição da escravatura.
A missão do bispo não é de defender suas idéias mas sim a proposta de Jesus que teve preocupação com os outros, com os que sofrem. O meu posicionamento político é o da CNBB, que sempre foi de defender os menos favorecidos, a terra, trabalho e moradia e isso não quer dizer que a igreja defenda um partido político. Isso não é uma questão ideológica, mas aquilo que está no centro da tradição bíblica e é o centro da doutrina social da igreja. Durante o período em que fui bispo no Espírito Santo, apoiei a reforma política, pois isso traz uma perspectiva de mais igualdade, justiça, paz, fraternidade, respeito à pessoa.
O senhor estava no Espírito Santo, mas é baiano e portanto conhece bem o estado. Existe diferença entre comandar a igreja baiana ou a de outra parte?
Não vejo diferença porque não enxergo “um” ou “aquele outro”, mas vivo uma compreensão de igreja, onde estou aberto para ouvir a todos. Vivemos em um mundo globalizado. O que acontece aqui acontece em outros lugares do mundo. Eu acredito que como um sábio africano falava, "gente simples, fazendo coisas pequenas, consegue mudanças extraordinárias". Então não estamos isolados na Bahia. Minha missão aqui é confirmar os irmãos na fé, nas comunidades católicas, mas também estar aberto à diversidade da sociedade para pensar a cidade e pensar o bem estar dela.
Que peculiaridades o senhor vê na arquidiocese de Feira de Santana?
Embora conheça um pouco a tradição do povo baiano, é sempre uma realidade nova, então ainda é tempo de conviver e dialogar. Mais do que trazer projetos novos eu preciso escutar as pessoas e dialogar com a diversidade e ter a compreensão. A cidade tem crescido bastante e precisa de uma presença significativa da igreja.