Sem dinheiro para manter as obras no Estaleiro Paraguaçu, em Maragojipe, a Enseada Indústria Naval (EIN), responsável pelo empreendimento, anunciou ontem o encerramento precoce das atividades do Consórcio Estaleiro Paraguaçu (CEP) – empresa responsável pelas obras de implantação do canteiro, que estão 82% finalizadas. Até sábado, serão demitidos os últimos 100 trabalhadores do consórcio, que chegou a empregar diretamente sete mil pessoas no pico de obras ano passado.
Principal cliente do estaleiro, a Sete Brasil, empresa criada pela Petrobras em parceria com instituições privadas para adquirir e operar sondas do pré-sal, vem enfrentando dificuldades financeiras e está há cinco meses sem pagar a EIN e, segundo fonte da empresa, a dívida ultrapassou os R$ 500 milhões agora em fevereiro.
O projeto do Estaleiro Paraguaçu foi lançado em 2013, com um investimento previsto de R$ 2,7 bilhões, para construir seis sondas que serão utilizadas para a exploração de petróleo em águas ultraprofundas, avaliadas em US$ 6 bilhões no total.
O problema é que a Sete Brasil estaria enfrentando dificuldades de se capitalizar, como reflexo da crise enfrentada pela Petrobras devido às investigações da Operação Lava Jato. Sem receber os repasses da Sete Brasil, a Enseada Indústria Naval estaria devendo a diversas empresas, inclusive à fornecedora de aço, principal matéria-prima do estaleiro, segundo informações do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada e Montagem Industrial do Estado da Bahia (Sintepav).
O diretor de relações institucionais da EIN, Humberto Rangel, garantiu ontem que as obras de implantação do estaleiro serão retomadas assim que os problemas com o fluxo de caixa da empresa forem resolvidos. Nesse caso, será a própria Enseada quem deverá construir o que está faltando para finalizar o projeto.
“Atualmente, a obra de implantação do Estaleiro Paraguaçu, na cidade de Maragojipe, encontra-se com 82% de avanço físico e, tão logo o cenário de falta de liquidez vivido pela indústria naval brasileira seja superado, a própria Enseada retomará as atividades de finalização dos 18% restantes da obra”, disse o diretor, em nota.
Segundo o texto, a montagem do Goliath, um dos mais importantes equipamentos do Estaleiro - um superguindaste de 150 metros, o que equivale a um prédio de 50 andares -, que tem a capacidade de içar blocos e megablocos com até 1.800 toneladas, também seguirá normalmente até a sua conclusão, prevista para março. “Apesar das dificuldades, a empresa acredita na indústria naval brasileira e está trabalhando em busca da superação do atual cenário”, seguiu Rangel.
Além do guindaste, estão pendentes a instalação de outros equipamentos e a construção de um dique seco para a construção e reparo de embarcações.
Até o momento, o Estaleiro Paraguaçu iniciou a construção de duas das seis sondas contratadas pela Sete Brasil. De acordo com o boletim informativo Navegando Juntos, divulgado pela empresa na última sexta-feira, a sonda Ondina, com prazo de entrega previsto para 2016, está 54% pronta, enquanto as obras na embarcação Pituba já foram iniciadas. As outras quatro unidades – Boipeba, Interlagos, Itapema e Comandatuba – ainda não começaram a ser construídas.
De acordo com informações da assessoria do empreendimento, a situação financeira é considerada grave, mas o estaleiro já está funcionando e não será fechado. Mesmo com o encerramento do CEP, vão continuar no local aproximadamente 600 empregados contratados diretamente pela EIN que vão trabalhar na construção das sondas.
Divergências
A informação oficial passada pelo estaleiro é diferente da que foi divulgada ontem pelo sindicato que representa os trabalhadores da obra. Segundo o vice-presidente do Sintepav, Irailson Warneaux, 200 trabalhadores receberam o aviso prévio e, após as demissões que vão acontecer no próximo sábado, o empreendimento será paralisado.
“Só existem 200 pessoas trabalhando lá e elas já receberam o aviso prévio para deixar os postos de trabalho no sábado. Vai parar a operação também. Vão ficar apenas os vigilantes”, garantiu.
Ele disse que de janeiro para cá foram realizadas mais de quatro mil demissões no local. “Eles não dão detalhes, mas nós sabemos que a crise é muito séria. São cinco meses sem receber da Sete Brasil, pelo que os colegas que estão lá dentro nos dizem”.
Segundo Warneaux, as dificuldades de caixa atingiram diversos fornecedores do empreendimento. “Nós temos a convicção de que a operação também vai parar porque a EIN está devendo do fornecedor de aço até as empresas que prestam serviço ao refeitório. Eles só não estão devendo aos trabalhadores”, falou.
Segundo depoimento da prefeita de Maragojipe, Vera Lucia dos Santos, ao Navegando Juntos, as dificuldades no estaleiro se amplificam para todo o município de Maragojipe. “Estamos todos preocupados com as demissões e com o cenário que se encontra o Estaleiro Paraguaçu. São milhares de pessoas desempregadas, o que causa um impacto negativo para a população”, explica.
Além dos empregos diretos que foram afetados, muitos comerciantes investiram e também estão sofrendo, conta ela. “Espero que a situação se resolva o quanto antes, pois hoje o Estaleiro é uma das principais fontes de renda da população”.
E os impactos negativos estão chegando também a outras cidades da região. O prefeito de Salinas da Margarida, Jorge Castelucci, disse que a obra levou a cidade a um novo ciclo de desenvolvimento. Agora, ele se prepara para o efeito contrário. “A cidade, que antes vivia da pesca, passou a ter oportunidades reais de emprego num empreendimento grandioso. O município não tem como absorver o efetivo que está sendo desligado”, lamentou o gestor.
Para o prefeito de Saubara, Capitão Joelson, os maiores prejudicados serão os mais jovens, que buscam oportunidades de ingresso no mercado de trabalho. “Estamos vivendo um momento de incertezas”, constatou.
A Sete Brasil respondeu, através da assessoria de imprensa, que não tinha conhecimento ontem do encerramento da CEP, apesar de garantir que “está em constante contato com o estaleiro”.
Secretário defende empenho de Brasília em relação a problemas
Apesar de aliado político do governo federal, o secretário de Desenvolvimento Econômico da Bahia (SDE), James Correia, acredita que está faltando empenho em Brasília para resolver os problemas que vêm sendo enfrentados pela indústria naval.
“O que está acontecendo em Maragojipe é o mesmo que está se verificando por todo o Brasil. Em Pernambuco, o estaleiro (Atlântico Sul, EAS) chegou a dizer que quer devolver os contratos. É um problema geral e é preciso que haja um empenho maior para resolver a situação”, defendeu.
Segundo ele, “por muito menos”, o secretário particular da presidente Dilma, o ministro Miguel Rossetto, atuou na crise da indústria automobilística, ajudando a reverter 800 demissões. “Só aqui na Bahia são 4 mil demitidos, fora o impacto nocivo que isso causa na cadeia de serviços e onde está o Miguel Rossetto? Eu acho que ele deveria aparecer e mostrar que o governo está preocupado com essa situação também”, cobrou.
Correia disse que “é uma irresponsabilidade deixar a situação chegar onde chegou” após os investimentos que foram feitos pela iniciativa privada na indústria naval brasileira. “Você convida os empresários a participar de um processo, eles acreditam, investem e agora ficam à própria sorte. Não é justo”, afirmou, ressaltando que o governo federal poderia intervir mais ativamente na liberação de processos de financiamentos junto ao BNDES e o Banco do Brasil, que estariam travando o andamento das obras.