Pouco mais de 13,9% da Polícia Militar da Bahia (PM-BA) é composta por mulheres. Porém, em relação ao efetivo total de agentes da corporação, o percentual está entre os três maiores do Brasil, ficando atrás apenas do Amapá (20,3%) e de Roraima (14,5%).
Nas últimas colocações, estão os estados do Rio Grande do Norte (2,3%), Ceará (3%) e Maranhão (5,7%). Os dados são referentes ao ano de 2014 e foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da pesquisa Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros, nesta semana.
Com emancipação do Corpo de Bombeiros da Bahia, por meio de lei sancionada em novembro de 2014, a PM atualizou ao G1 os números fornecidos pelo IBGE. No levantamento do instituto, a Bahia contava com 31.039 profissionais, sendo que 26.714 eram homens e 4.325 mulheres.
Hoje, devido à desvinculação dos Bombeiros, a corporação conta com total menor, de 30.631, sendo que 26.473 são do sexo masculino e 4.158 do feminino. Em relação ao efetivo total, o percentual de mulheres na tropa cai para 13,5%.
'Reflexo da sociedade'
A capitã Ana Paula Queirós tem 36 anos e há 18 anos está na PM. Atual subcomandante da Operação Ronda Maria da Penha, avalia que o número ainda pequeno de mulheres na polícia é reflexo de uma conjuntura social patriarcal, que historicamente tem colocado a mulher numa posição de fragilidade e vulnerabilidade. “A gente tem que começar a entender esses comportamentos culturais e a polícia é um reflexo do que acontece na sociedade”, contou.
A decisão de entrar na PM provocou um estranhamento inicial entre os familiares da capitã, segundo revelou. “A minha família achou interessante o fato de eu ter passado no concurso, mas disse que eu não precisaria, necessariamente, seguir esse caminho. Isso porque a visão que se tinha da corporação era uma visão de rigidez, ou melhor, de rispidez. As pessoas disseram: você não tem nada a ver com esse universo”, relembrou.
Com a confiança de que os preconceitos não seriam superados sem a entrada de mulheres na PM, Ana Paula conta que seguiu em frente. Nos primeiros anos, foi vítima de olhares questionadores, tanto dentro da corporação, quanto da sociedade civil nas atividades de rua. Logo após a formação, por exemplo, foi designada para atuar em Bom Jesus da Lapa. Enquanto tenente, numa cidade próxima chamada Carinhanha, determinou a apreensão de um veículo.
“A gente apreendeu o veículo por direção perigosa e tantas outras coisas que faltavam naquele momento. As pessoas se aproximaram do sargento, que era comandante do pelotão. Elas disseram: sargento, tente liberar porque o menino é aqui da cidade. O sargento disse: quem está à frente aqui é a tenente. As pessoas disseram: não, rapaz. Uma mulher? Você é o homem, rapaz. Você comanda”, contou sobre a situação.
Sobre as resistências enfrentadas, tanto por colegas, quanto pela sociedade, a capitã refletiu. “Teve essa resistência, tanto das pessoas de fora da comunidade em geral, como também um pouquinho de resistência dos próprios profissionais, mas muito ligada a essa questão cultural. A cultura da região era uma cultura bem machista e imagine você chegar e ser comandado por uma mulher, que tem idade de ser sua filha. Isso foi muito difícil para alguns. Mas, com o tempo, com jeitinho, a gente foi modificando e verificando que ali dentro do quartel eu não era a mulher. Não era o gênero simplesmente. Mas do que isso: era a policial militar ocupando, desenvolvendo a função de comando”, afirmou.
Mãe de um filho de 8 anos, Ana Paula contou como administra a dupla jornada. “A gente está na jornada de 40 horas semanais, mas muitas vezes a gente passa e muito dessa jornada. Mas quando chega em casa é como se tivesse acordado para brincar, para fazer atividade, para acompanhar como foi o dia-a-dia. Então, a gente tem que ficar nesse monitoramento: tanto as coisas do trabalho, quantas coisas de casa. Às vezes, o que que acontece, você está em casa e aí chegam algumas questões de trabalho que você tem que administrar. Você tem equilibrar as ansiedades do filho e necessidades do trabalho. Tem que buscar o equilíbrio dessas operações”, afirmou.
Ana Paula integra a equipe da operação Ronda Maria da Penha, que foi inaugurada em março deste ano, a fim de garantir a segurança de mulheres que tiveram medidas protetivas definidas pela Justiça. Ainda em projeto piloto na capital, com perspectivas de avanço para o interior, a ronda tem cinco mulheres no comando de uma equipe com 26 policias, sendo 16 deles homens.
"A constituição diz que todos são iguais perante a lei. O que é essa igualdade? É a igualdade de que todos têm que carregar o mesmo peso? Não. É a igualdade dentro daquilo que pode ser observado como igual. Então, eu tenho as características do ser feminino, eu tenho as características do ser masculino, eu tenho as características das pessoas que têm necessidades especiais. Então, é igualdade que todos sejam tratados de acordo com as suas limitações para colocá-las nesse em pé de igualdade", avaliou.
Vagas para mulheres
Apesar do destaque positivo em âmbito nacional, a promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Defesa das Mulheres do Ministério Público da Bahia (GEDEM), Márcia Teixeira, considera que o número ainda é pequeno e ressalta que o sexo feminino ainda não alcançou os cargos máximos da corporação. "Temos mais mulheres [do que nos demais estados], mas não temos nenhuma tenente-coronel. Coronel, então, nem pensar", argumentou.
A promotora defendeu que o concurso da PM tenha vagas equitativas para sexos masculino e feminino. "Os editais limitam o quadro de vagas para mulheres. Não deveria se estabelecer cotação. Todos os concorrentes deveriam disputar em pé de igualdade. Se 60% das mulheres forem aprovadas, deveriam ser convocadas", afirmou.
Para a promotora Márcia Teixeira, a PM ainda conserva características patriarcais. "A polícia militar reproduz a discriminação e o sexismo da sociedade. Quem pensou o ingresso das mulheres na polícia foram os homens. Não foi pensada a promoção da mulher para os cargos máximos", acrescentou.
Centro Maria Felipa
A Polícia Militar da Bahia é quase bicentenária. Entretanto, a entrada da mulher na corporação só ocorreu em 1989. Para dar assistência às novas profissionais, surgiu o Centro de Referência da Mulher Policial Militar, Centro Maria Felipa, criado em 2006.
Coordenadora do espaço há dois anos, a capitã Edlânia Aguiar dos Santos disse que o espaço nasceu para acolher as profissionais femininas. "A instituição [PM] foi criada apenas para homens. Com as mulheres entrando, muitas não se sentiam acolhidas. Para se sentirem inseridas, foi criado o centro", explicou.
Destacando a importância da mulher, o espaço promoveu seminários sobre gênero entre os agentes da corporação, curso para gestantes e até mesmo auxílio de beleza. "Temos a sala de cuidado. Algumas policiais acabam se masculinizando [diante do contexto] e queremos mostrar que não há essa necessidade", contou Edlânia. Além do público interno, o centro também atende a esposas de policiais, especialmente em casos de violência doméstica.
O nome do grupo homenageia Maria Felipa, que, nas luta contra os portugueses, liderou dezenas de mulheres, homens e índios na queima de 42 embarcações que estavam aportadas na praia do convento, 1823, prontas para atacar Salvador. Trata-se da primeira heroína negra da Independência da Bahia.
FONTE: Do G1 BA