Nascida Santana dos olhos D’água – nome que jamais deveria ter sido trocado – Feira se constituiu na poeira dos tropeiros, boiadas, fartura de lagoas e comércio. A força de Feira como cidade mercado, por ser entroncamento rodoviário, é demonstrada pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 2 bilhões, em 2000, para R$ 17,5 bilhões, em 2024.
Cidade carente de mais autonomia na arquitetura pública, descuidosa,
Feira mostra dificuldade para criar pertencimento, o que só é dado pela beleza –
Dostoiévski dizia que a beleza salvaria o mundo – e memória, esta, atualmente, mais
sob insípidos estacionamentos do que em pé.
Esse vazio é ocupado, hoje, pela marca da violência (justa,
afinal, “tudo que passa, passa por Feira”, como diz Tom Zé) e do mercantilismo (imerecido).
E para mudar esta imagem, Feira deve dar prioridade à cultura, como jamais fez.
Para tanto, a Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e
Lazer (Secel) precisa deixar de ser um “puxadinho” de acordos políticos,
gestora de eventos outros, como Micareta e São João, para se tornar um elemento
transformador da realidade.
É preciso verbas para a implantação de um projeto cultural
consistente e continuado, e não apenas sobras ínfimas de festas, o que limita
as ações da pasta. É dever lembrar que cultura gera emprego e renda, tendo
movimentado 5% do PIB brasileiro, em 2024.
Uma cidade que tem um Juraci Dórea – criador de nossa
identidade cultural – mais reconhecido no Sul do país do que em sua cidade, onde ainda reside (vide matéria de página inteira da Folha de São Paulo,
em novembro); e um Antonio Brasileiro – possivelmente, um dos maiores poetas vivos
de Língua Portuguesa – mais estudado na França do que em nossas escolas não
pode dizer que incentiva e respeita seus atores culturais. O Grupo Hera de Poesia,
liderado por eles e pelo poeta Roberval Pereyr, deveria bastar para definir
Feira como cidade poética.
Precisamos de uma política de museus efetiva, não
desrespeitosa e integrada à Educação. Carecemos, ainda, de ocupação permanente
dos diversos equipamentos culturais; de criação de um Fundo Municipal de
Produção Audiovisual; de implantação de uma Escola de Teatro; de ampliação das
Escolas de Música; de um programa de ajuda a Corais e Filarmônicas; de
instalação de Oficinas de Criação Literária e de Artes Visuais; de apoio aos
núcleos culturais de produção artesanal, tradicionais e alternativos; de
festivais de artes; e de tantas outras ações que exigem interlocução e arrojo como
responsabilidade de governo.
Promover a inclusão do ensino das artes, da cultura, do patrimônio
histórico e da preservação da memória, nas escolas, é fundamental. Também é
preciso capacitar agentes culturais, para a formatação de projetos. E uma
política de apoio a publicações e prêmios literários seria muito bem-vinda!
Devemos aproveitar a excelente inauguração do Centro de
Convenções para vencermos o paradigma da rasura e da mesmice que nos tem sido
legado. É necessário que agentes culturais e entidades da sociedade civil
estejam juntos, a fim de vencermos essa imagem de terra sem lei.
É imprescindível construir uma cidade que cative por suas
lagoas preservadas. É urgente consolidar uma cultura que alimente o humano,
porque só ela pode nos defender desse mal-estar do século, povoado de desagregação,
violência emocional e sofrimento.
Para enfrentar esse caos em que nos encontramos, Feira precisa de uma revolução cultural. Isto já não pode mais ser adiado! Tomo a ousadia de convocá-los para essa luta coletiva. Nós podemos ter mais!