A mulher de 50 anos que foi mantida
em condições análogas à escravidão por 44 anos, em Porto Seguro, no Extremo sul
da Bahia, será indenizada em R$ 500 mil. A vítima trabalhava como empregada
doméstica desde a infância, na casa de uma família residente na cidade.
O ressarcimento foi assegurado após
um acordo firmado entre a advogada da vítima e a família da patroa, por
intermédio do Ministério Público do Trabalho (MPT).
A indenização estabelecida deverá
ser paga até fevereiro de 2025, data limite para a venda de dois imóveis que
pertenciam aos empregadores. Caso a determinação do MPT seja descumprida, aos
réus, será imposta uma multa de 50% do valor acordado.
HISTÓRICO da
exploração – A vítima chegou à casa de Heny Peluso Loureiro,
empregadora falecida em 2023, e de seus filhos, Joaquim Neri Neto e Maíza
Loureiro Nery Santos, com apenas 6 anos de idade. Além de trabalhar na casa
como doméstica, ela também realizava tarefas em uma fazenda da família.
De acordo com o MPT, à requerente foi
negado o direito de frequentar a escola. Ela não teve infância, amigos ou
relacionamento amoroso, na vida adulta. Além disso, a vítima não recebia
pagamento em dinheiro pelo serviço prestado à família empregadora. Trabalhava
em troca, somente, de teto e c comida.
Os autos apontam que a mulher
sequer tinha uma certidão de nascimento real. O Ministério Público do Trabalho
destacou que o documento que a requerente portava foi obtido pela patroa, anos mais
tarde, e que o mesmo continha informações de filiação inverídicas.
Por não haver qualquer dado sobre a
verdadeira origem da vítima, não foi possível determinar sequer sua nacionalidade,
uma vez que a mesma não falava a língua portuguesa na época em que chegou à residência
da empregadora. Suspeita-se, apenas, que ela seja oriunda do continente
africano.
CRAS DECIDIU INVESTIGAR – Após a morte da patroa, a
trabalhadora passou a viver com o filho de sua empregadora. O homem tentou cadastrar
a doméstica em programas sociais, para recebimento de benefícios assistenciais
e, nesse momento, a situação chamou a atenção da equipe que prestou o
atendimento.
Desconfiado de que havia irregularidades,
o pessoal do Centro de Referência em Assistência Social (Creas) decidiu visitar
a casa onde a vítima vivia, a fim de dar encaminhamento ao pedido de inclusão
no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico).
A mulher decidiu buscar ajuda após sofrer maus-tratos, por parte
do filho da ex-patroa. Inicialmente, ela
foi amparada por uma vizinha. Depois, uma advogada resolveu cuidar do caso e buscar
os órgãos públicos competentes, como o Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (Creas) e o MPT.
Hoje, diz o Ministério Público do
Trabalho, a vítima está empregada com carteira assinada e vivendo em um imóvel
alugado. Além disso, ela, finalmente, está conseguindo estudar, no turno da
noite, com o propósito de se alfabetizar. O órgão também ressalta que a mulher
está vivendo o seu primeiro relacionamento amoroso.
O acordo indenizatório firmado no
mês passado já foi homologado pela Justiça do Trabalho. Até o prazo determinado
judicialmente para a conclusão da venda dos imóveis dos requeridos, os dois
filhos da ex-patroa foram instados a manter o pagamento de um salário mínimo
mensal à vítima.
Camilla Mello, então procuradora do
MPT de Eunápolis e autora da ação na ocasião em que o processo foi aberto, afirma
que, apesar de nenhuma indenização ser capaz de pagar tamanho dano, pelo menos
a vítima terá uma oportunidade de viver com dignidade. “Esse é um daqueles
casos em que a gente vê tudo o que não poderia existir numa relação de
trabalho. E apesar de entendermos que nenhum valor poderia pagar o que essa
senhora passou, conseguimos fazer um acordo que permitirá a ela uma
oportunidade de construir uma vida digna”, frisou a magistrada, que, mesmo após
deixar a unidade do órgão daquela cidade, segue acompanhando o caso.
Agora, a ação segue sob a tutela do
procurador Ricardo Freaza. Coube a ele a assinatura do acordo entre as partes,
que engloba tanto a ação civil pública quanto a ação individual movidas pela
advogada Marta de Barros, representante da trabalhadora.
Segundo o MPT após a conclusão da investigação
e de inúmeras tentativas de estabelecimento de acordo extrajudicial, foi
necessário ingressar com uma ação civil pública. Em paralelo, a advogada da
vítima ingressou com um processo na Justiça do Trabalho, cobrando o pagamento de
verbas trabalhistas.
O órgão destaca, ainda, que, no
acordo finalmente firmado pelas partes e já homologado pela Justiça do
Trabalho, os atuais empregadores não reconhecem culpa. No entanto, comprometem-se
a pagar a indenização por danos morais e a regularizar a Carteira de Trabalho
da empregada doméstica.
*Com informações do
Bahia Notícias.