As
lembranças são dos anos 1980. Naquele tempo a Sales Barbosa não devia ser tão
movimentada. Mas, menino, supunha que o ir-e-vir era intenso, compararia hoje ao
da Avenida Paulista, ao da Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de
Janeiro. Via-me desnorteado observando o mundo de baixo, mulheres e homens
passando apressados, numa vertigem.
Deduzo
que não era assim, as sensações de menino amplificam tudo. Inclusive porque
havia um canteiro bem no meio do calçadão, as barracas dos camelôs ainda não
haviam se irradiado por ali. No canteiro não havia flores, só a terra morta e pálida
sobre a qual despejavam-se palitos de picolé, bitucas de cigarro, cascas de
laranjas, espigas de milhos devorados.
Às
portas das lojas comerciários e comerciantes aguardavam a clientela, pacientes.
A cidade apenas começava a se expandir, o trânsito era tranquilo e boa parte da
população residia dentro do Anel de Contorno. Mas algo emprestava tensão àquele
pacato centro comercial: os “marreteiros”.
Eles
chegavam apressados e montavam o palco: uma caixa de papelão sobre um tamborete,
três pequenas formas de alumínio e uma bola de gude que alguns envolviam em
veludo. Daí começavam o pregão, chamando a clientela, os incautos que apostariam
seus magros trocados naquele jogo viciado.
Mãos
agilíssimas moviam as formas, a fala ininterrupta – quase sempre aos berros – cobrava
do apostador uma definição, a indicação da forma sob a qual repousava a bola.
Dedos hesitantes ou firmes – isso aí dependia do temperamento do apostador –
indicavam a forma escolhida. Quase sempre a bola não estava ali. Se estava,
sumia num rápido movimento de dedos.
Em
volta aglomerava-se, às segundas-feiras, uma plateia de tabaréus, os chapéus destacando-se.
Tudo era sempre muito rápido, os “marreteiros” olhando em volta, atentos à
chegada da polícia. Qualquer alarme, recolhiam seus apetrechos e desapareciam
pelos becos estreitos, os passos apressados.
-
São os marreteiros – Explicou meu pai, um dia, riso nos lábios, quando indaguei
o que significava tudo aquilo.
Os
“marreteiros” enganavam os apostadores – os “pexotes” – escondendo as bolas aveludadas
entre os dedos com gestos de prestidigitação. Eram velozes, mãos mais velozes
que os olhos dos “pexotes”. Em volta havia, também, os “esparros”. Eram os
falsos apostadores – sócios no embuste – que simulavam ganhos para instigar os
incautos.
Aquilo
se perpetuou durante algum tempo. Montavam a banca sempre em dia de movimento,
sem regularidade ou lugar fixo: surgia no Lambe-Lambe, na Praça dos Remédios,
até na Marechal Deodoro. Creio que, com o tempo, o golpe foi se tornando mais
conhecido e os “pexotes” escassearam. O crime se tornou também mais imediatista
e violento, os assaltos a mão armada se impuseram.
Isso
não significa, porém, que “marreteiros” e “pexotes” desapareceram de todo.
Diria até que ressurgiram com muita força nos últimos tempos, com a
proliferação dos jogos de azar pelo país. Modernizaram-se, migraram para o
universo digital. Os “pexotes” seguem sendo tratados como apostadores; os “marreteiros”
viraram CEO de casas de apostas, influencers, rifeiros.
No
fundo, a patifaria segue a mesma. Mas que hoje ganhou glamour, isso é inegável...