Antes, preciso confessar: deixei meu estimado Sergipe, em
plena adolescência, para me tornar súdito apaixonado de uma princesa, a
Princesa do Sertão, denominação dada a Feira de Santana, pelo gênio Ruy
Barbosa, lá pelos idos de 1919. Uma cidade que emergiu de uma fazenda, no
interior da Bahia, para se tornar um dos maiores centros urbanos do Nordeste e do
Brasil. Como assinala um de seus maiores poetas, Eurico Alves Boaventura, “O
sol aqui é sol de verdade e seu povo até que se parece com nosso Senhor”.
Localizada no centro-norte baiano, a 108 quilômetros de
Salvador, a capital do Estado. Cidade sede da Região Metropolitana de Feira de
Santana e da Região imediata, formada por 33 Municípios. Segundo o IBGE, 2022,
reúne uma população de 652.592 habitantes, tornando-se a segunda cidade mais
populosa do estado da Bahia e a primeira mais populosa do interior do Norte,
Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil, maior que oito capitais estaduais. É a sexta
maior cidade do interior e a 33ª cidade do País, em população.
A cidade encontra-se em um dos principais entroncamentos
rodoviários do Nordeste Brasileiro, na convergência de seis rodovias, sendo
três federais (BR-324, BR-101 e BR-116) e três estaduais (BA-052, BA-502 e BA-503),
tornando o Município um dos maiores e mais importantes entroncamentos
rodoviários e Centros Logísticos do Brasil. Graças a essa posição privilegiada,
a cidade se constitui em vetor de desenvolvimento regional, com protagonismo
nos setores de comércio e serviços, da indústria de transformação, da saúde e
da educação. A sua potencialidade se evidencia no posicionamento, segundo dados
de 2022, de postar-se entre os cem maiores Produtos Internos Brutos (PIBs) do
Brasil e entre os 30 maiores do Nordeste brasileiro.
A importância dessa Princesa, vale reconhecer, não está
apenas na quantidade de seus súditos, não obstante seja uma das cidades que
mais cresce no País. Ela é o principal centro urbano, político, educacional,
tecnológico, econômico, imobiliário, industrial, financeiro, administrativo,
cultural e comercial do interior da Bahia e do Nordeste brasileiro. É uma
cidade pedagógica, com forte vocação de vanguarda e de protagonismo.
Foi a primeira cidade da América Latina a construir um Plano
Diretor, a décima cidade do País em infraestrutura urbana, considerada a melhor
cidade nordestina para investimentos imobiliários e situada entre as 50
melhores cidades do Brasil para se viver. Dispõe, portanto, de potencialidades
e das condições fundamentais para integrar-se ao elenco de “Cidade Educadora”,
como muitas no Mundo e no País já o fizeram e, assumir com a comunidade local e
mundial compromissos de direcionar suas políticas públicas como agentes
transformadores, solidários, pedagógicos e permanentes na construção do
desenvolvimento sustentado e na formação integral e na melhoria da qualidade de
vida de sua população
Com seis rotas para transporte de produtos, Feira de Santana
é destaque na produção industrial da Bahia, com maior crescimento do setor nos
últimos anos. Na última década, Feira de Santana teve um desenvolvimento
econômico de 9% ao ano, segundo informações repassada, pela prefeitura, ao G1.
A cidade tem o melhor crescimento industrial do estado, abrigando mais de 11%
dos estabelecimentos deste setor, congregando 14.538 mil empresas ativas, que
geram quase 133 mil empregos. O comércio representa 50% do perfil empresarial,
seguido do setor de serviços, com 33%, e indústria de médio e grande porte com
9,8%, mas em forte tendência de crescimento.
A potencialidade de Feira de Santana, a Princesa do Sertão,
todavia, não se limita em ser um polo regional de desenvolvimento econômico, um
centro regional de produção industrial e no maior entreposto comercial do
Nordeste. Ela é, também, um grande centro distribuidor de serviços na área de
saúde e do bem-estar social. É um grande centro de referência regional na área
da saúde, contando com vários hospitais públicos e particulares, além de
dezenas de postos de saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e centros
médicos, espalhados por toda a cidade, que servem à macrorregião da Bahia.
É, igualmente, um grande polo educacional, sediando duas
Universidades Públicas: a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs); e o
Centro de Tecnologia e Sustentabilidade (Cetens), braço da Universidade Federal
do Recôncavo (UFRB). Além do Instituto Federal da Bahia e do Centro de Educação
Tecnológica da Bahia (Ceteb).
A Princesa se engrandece e se envaidece, com a atuação de
mais de 30 faculdades particulares que participam da democratização do ensino
superior, bem como de seus colégios públicos e privados de elevado padrão de
ensino, tais como o Colégio Municipal, Colégio Helyos, Colégio Gênesis, Colégio
Nobre, Colégio Casto Alves, Acesso, Despertar, Paulo VI e tantos outros que
contribuem com o processo educacional da juventude regional.
Na cultura, destacam-se o Museu Parque do Saber, o Centro
Universitário de Cultura e Arte (Cuca) e as Academias de Educação, de Letras,
de Letras e Artes e Metropolitana, ensejando ao poeta feirense, Carlos Pita, consagrar
Feira de Santana como “o coração popular do Brasil.”
Louvo Feira de Santana por ser uma cidade que valoriza sua
história, mas fitando o futuro. “Do futuro és a linda esperança. Uma Princesa
altaneira e seu povo, cheio de vida, só trabalha para vê-la elevada”, decreta a
poetisa maior Georgina de Melo Erismann. E assim avança. Está no seu DNA o
crescimento sustentado, o protagonismo, o progresso. Por isso tem fome e sede,
tem carências, tem reivindicações.
Seus súditos mais conectados já encetam a campanha dos 200
anos. Como a Princesa do Sertão precisa chegar em 2033, quando completará 200
anos de autonomia como cidade. O Programa “de olho na cidade”, da Rádio
Sociedade, está a estimular a formulação de propostas que contemplem os sonhos
dos 200 anos e as perspectivas do futuro da cidade.
Cidade que não abre mão de continuar influindo nos destinos
do País e do Nordeste, em especial. Evidentemente, carece de um aeroporto de
maior porte; de um Centro de Convenções; de duplicação de avenidas; de um
adequado centro de abastecimento; de um Contorno maior; de um Centro Cultural
no distrito de Maria Quitéria, para ampliar o São João de José, a exemplo do
que faz a cidade de Campina Grande, na Paraíba; de ampliação das condições de
emprego e renda, para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. E de
muitas coisas mais.
Todavia, penso que a maior carência de Feira de Santana para
assegurar o coroamento da Princesa, consolidar em definitivo o seu futuro, o
seu desenvolvimento e protagonismo nordestino, está na implantação de uma
Universidade Federal, em que pese a existência e boa atuação das instituições
universitárias já presentes na cidade. Entendo, ainda, que elas já não dão
conta das demandas da juventude e dos novos tempos.
Urge pensar numa Universidade Federal pós-pandêmica,
projetada para atuar com inovações tecnológicas, focada na tecnologia, na
produção do conhecimento científico, que atue em parceria com a empresa
privada, urbana e rural, igualmente sedenta de inovação tecnológica e que,
assim, possa responder aos desafios da região semiárida, dos polos tecnológicos
do Nordeste brasileiro e do novo mundo em transição.
Sabemos todos que a universidade é o principal instrumento de
aceleração do desenvolvimento da sociedade. Vale, aqui, lembrar os desafios
apontados por Cristóvam Buarque, que muito tem refletido sobre educação
brasileira e sobre o papel da universidade no mundo pós-moderno, quando concebe
a universidade, em especial a universidade pública, como a única instituição
capaz de todos os gestos, de todas as ações, de envolver-se com setores os mais
diversos e divergentes, descobrir interesses comuns e ter a capacidade de
transformar conhecimentos em serviços reais para a sociedade. Por isso, diz
ele, “é quase consenso entre os educadores e cientistas sociais que um País
será o que forem suas universidades, porquanto são elas as locomotivas do
desenvolvimento”. Estou, igualmente convicto, de que a Princesa, para
consolidar seu reinado, carece dessa locomotiva.
Esta relação tende a tornar-se mais clara e mais desafiadora
quando se pensa na universidade como academia capaz de responder ao fantástico
desafio das mudanças históricas que eclodem nessa etapa do século XXI, exigindo
esforços de reengenharia, de reinvenção de novos paradigmas, creditando-a como
contemporânea de um novo tempo. Tempo que já se convencionou denominá-lo de era
do conhecimento, tempo da tecnologia.
Em um tempo histórico onde a sociedade tende a tornar-se,
toda ela, “sociedade do conhecimento” e plenamente conectada, cabe à universidade,
evidentemente, a missão privilegiada de relacionar o seu papel educativo com a
produção crítica do conhecimento, tendo pela frente o desiderato de assumir
posição de vanguarda não só na formação de profissionais competentes que saibam
alocar conhecimentos para usos produtivos, como na participação compromissada
no processo de transição para novos ciclos de transformação da sociedade.
Imagina-se, para esse novo tempo, uma universidade plenamente
inclusiva, democrática e pública. Pública, na definição do dicionário Aurélio,
é “o que se destina ao povo, à coletividade”. Em verdade, ela é um patrimônio
da sociedade, por ela criada e mantida, e, portanto, deve estar a serviço de
toda a sociedade. Cabe salientar que não é a gratuidade para os estudantes, nem
a eleição direta para os cargos de direção, que a fazem democrática e pública.
Um salto maior precisa ser dado quando se pensa na criação de
uma nova universidade. Deve ser moderna e verdadeiramente pública. Pública no
sentido amplo, de estar envolvida na busca de soluções, ao mesmo tempo, dos
meninos de rua, das questões da periferia aos setores regionais de produção;
preocupada, a um só tempo, com os minúsculos problemas da população local e com
as grandes questões regionais, nacionais e do universo. E de colocar-se a
serviço do conjunto da população, levando os resultados de suas descobertas, de
seu saber e de sua ciência, para todas as faixas etárias, para todas as classes
sociais, beneficiando a todas e todos os seus segmentos da sociedade.
Por outro lado, há de se reconhecer que na interação da
Universidade com a sociedade, pode se encontrar a base para a melhoria da
qualidade de seu próprio trabalho acadêmico. Porquanto qualidade e competência
não são produtos exclusivos de laboratório, nem de tecnologias transplantadas,
mas, antes, resultantes da consciência social que se torna efetiva no
enfrentamento dos reais problemas da população.
E isso ela produz não apenas mediante a formação de alguns
profissionais privilegiados, mas pela postura permanente de instituição
engajada, comprometida, parceira, na desafiadora luta travada pela sociedade na
busca de seu destino, na produção do conhecimento, nos avanços da ciência e da
tecnologia, do desenvolvimento sustentado e do bem estar de suas populações.
Só nessa relação de interação, de compromisso, a universidade
se torna necessária, como preconiza Darci Ribeiro, e poderá cumprir o seu pleno
papel, e tornar-se para a sociedade, na condição de centro privilegiado de
produção do conhecimento, a fonte de energia criadora, viabilizadora de
esperanças, instrumento eficaz de transformação social e de desenvolvimento
humano. Essa universidade, assim concebida, ainda não existe nos domínios da
Princesa. E faz-se necessária, urgente e plenamente factível.
Quando, em 2013, acolhemos no campus do Instituto de Educação
e Desenvolvimento (Ined), o sucessor do Serviço de Integração de Migrantes (SIM),
a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), para colocar um braço em
nossa cidade, o Centro de Ciências, Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (Cetens),
o fizemos na perspectiva confessada, declarada, de que se instalaria ali,
naquele momento, o berço que haveria de embalar a futura Universidade Federal
de Feira de Santana. Uma Universidade Federal, autônoma, inteiramente nova,
inclusiva, democrática e pública, para consolidar o processo de transformação e
desenvolvimento do Município e de sua grande e desafiadora região.
A expectativa do Ined – entidade responsável pela execução do
mais ousado projeto social, que capacitou mais de 23 mil migrantes, nas décadas
de 1970 e 1980, vindo a ser considerado o projeto cristão-ecumênico mais
significativo da América Latina, que inspirou três Teses de doutorado, algumas
de Mestrado e diversos Trabalhos de Conclusão de Curso de Graduação, que recebeu
o espontâneo reconhecendo local, nominando o bairro onde se encontra a sua sede,
o populoso e próspero bairro SIM – é de que o Cetens seja o embrião, a semente,
da futura Universidade Federal de Feira de Santana, que pleiteamos para a
altaneira Princesa do Sertão.
Dez anos se passaram. Os recursos recebidos em decorrência da
parceria com a UFRB foram totalmente aplicados em melhorias na propriedade. O Ined
restaurou e ampliou o campus; construiu novos prédios; ampliou outros tantos;
aumentou a capacidade energética; requalificou suas praças, tornando-as agradáveis
espaços de convivências; melhorou a infraestrutura, o paisagismo; e, no
presente, implanta ambicioso projeto de acessibilidade em todo o campus, sempre
na perspectiva da implantação da almejada Universidade Federal em Feira de
Santana.
E nos dez anos de parceria, a UFRB se expandiu na Bahia e o Cetens
cresceu em Feira de Santana. São oito cursos de Graduação reconhecidos pelo Ministério
da Educação (MEC), alguns inéditos e pioneiros, em nível de Brasil. Quatro
cursos de Pós-Graduação, sendo dois Mestrados, vários projetos de pesquisas
relevantes para a região e o País sendo implementados, com resultados
animadores, reunindo quase 1,2 mil alunos.
Entendo, na condição de educador e de parceiro, que não dá
mais para continuar como Cetens. A dedicação e a competência dos operadores
(gestores, professores, estudantes e funcionários) fizeram o Centro crescer,
avançar na produção acadêmica, de forma a exigir autonomia, para não
impossibilitar seus avanços. Merece ser promovido. Proponho que seja
transformado na Universidade Federal autônoma em Feira de Santana.
Assim acontecendo, o Ined está decidido a doar seu campus,
por ele utilizado nessa etapa inicial de dez anos, situado na Avenida
Centenário, região nobre da cidade, na convergência das maiores Avenidas (Getúlio
Vargas, Noide Cerqueira e Contorno) com 50.375,46 metros quadrados e todos os
seus prédios, inclusive o Colégio Professora Tecla Mello, para servir de campus
inicial da nova Universidade. A Universidade Federal da Princesa do Sertão. Aí
sim, poderemos cantar: “Salve ó terra formosa e bendita, paraíso com o nome de
Feira, toda cheia de graça infinita, és do Norte a princesa altaneira”.
* Josué da Silva Mello
é Licenciado em Filosofia e Sociologia, Mestre em Educação. Presidente do
Instituto de Educação e Desenvolvimento (Ined); ex-Reitor da Uefs; professor
titular de Ciência Política da Uefs; ex-Diretor Geral da FTC e da Faculdade 2
de Julho; ex-membro e vice-Presidente do Conselho Estadual de Educação;
Secretário Municipal de Educação em Feira de Santana; Presidente da Academia de
Educação; membro da Academia de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Feira
de Santana (IHGFS); do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBA); da
Academia de Cultura; da Academia de Educação da Bahia; e da Academia Nacional
de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais.