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Uma Universidade Federal para a Princesa

Josué da Silva Mello - 24 de Junho de 2024 | 17h 45
Uma Universidade Federal para a Princesa
Foto: ACM/PMFS

Antes, preciso confessar: deixei meu estimado Sergipe, em plena adolescência, para me tornar súdito apaixonado de uma princesa, a Princesa do Sertão, denominação dada a Feira de Santana, pelo gênio Ruy Barbosa, lá pelos idos de 1919. Uma cidade que emergiu de uma fazenda, no interior da Bahia, para se tornar um dos maiores centros urbanos do Nordeste e do Brasil. Como assinala um de seus maiores poetas, Eurico Alves Boaventura, “O sol aqui é sol de verdade e seu povo até que se parece com nosso Senhor”.

Localizada no centro-norte baiano, a 108 quilômetros de Salvador, a capital do Estado. Cidade sede da Região Metropolitana de Feira de Santana e da Região imediata, formada por 33 Municípios. Segundo o IBGE, 2022, reúne uma população de 652.592 habitantes, tornando-se a segunda cidade mais populosa do estado da Bahia e a primeira mais populosa do interior do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil, maior que oito capitais estaduais. É a sexta maior cidade do interior e a 33ª cidade do País, em população.

A cidade encontra-se em um dos principais entroncamentos rodoviários do Nordeste Brasileiro, na convergência de seis rodovias, sendo três federais (BR-324, BR-101 e BR-116) e três estaduais (BA-052, BA-502 e BA-503), tornando o Município um dos maiores e mais importantes entroncamentos rodoviários e Centros Logísticos do Brasil. Graças a essa posição privilegiada, a cidade se constitui em vetor de desenvolvimento regional, com protagonismo nos setores de comércio e serviços, da indústria de transformação, da saúde e da educação. A sua potencialidade se evidencia no posicionamento, segundo dados de 2022, de postar-se entre os cem maiores Produtos Internos Brutos (PIBs) do Brasil e entre os 30 maiores do Nordeste brasileiro.

A importância dessa Princesa, vale reconhecer, não está apenas na quantidade de seus súditos, não obstante seja uma das cidades que mais cresce no País. Ela é o principal centro urbano, político, educacional, tecnológico, econômico, imobiliário, industrial, financeiro, administrativo, cultural e comercial do interior da Bahia e do Nordeste brasileiro. É uma cidade pedagógica, com forte vocação de vanguarda e de protagonismo.

Foi a primeira cidade da América Latina a construir um Plano Diretor, a décima cidade do País em infraestrutura urbana, considerada a melhor cidade nordestina para investimentos imobiliários e situada entre as 50 melhores cidades do Brasil para se viver. Dispõe, portanto, de potencialidades e das condições fundamentais para integrar-se ao elenco de “Cidade Educadora”, como muitas no Mundo e no País já o fizeram e, assumir com a comunidade local e mundial compromissos de direcionar suas políticas públicas como agentes transformadores, solidários, pedagógicos e permanentes na construção do desenvolvimento sustentado e na formação integral e na melhoria da qualidade de vida de sua população

Com seis rotas para transporte de produtos, Feira de Santana é destaque na produção industrial da Bahia, com maior crescimento do setor nos últimos anos. Na última década, Feira de Santana teve um desenvolvimento econômico de 9% ao ano, segundo informações repassada, pela prefeitura, ao G1. A cidade tem o melhor crescimento industrial do estado, abrigando mais de 11% dos estabelecimentos deste setor, congregando 14.538 mil empresas ativas, que geram quase 133 mil empregos. O comércio representa 50% do perfil empresarial, seguido do setor de serviços, com 33%, e indústria de médio e grande porte com 9,8%, mas em forte tendência de crescimento.

A potencialidade de Feira de Santana, a Princesa do Sertão, todavia, não se limita em ser um polo regional de desenvolvimento econômico, um centro regional de produção industrial e no maior entreposto comercial do Nordeste. Ela é, também, um grande centro distribuidor de serviços na área de saúde e do bem-estar social. É um grande centro de referência regional na área da saúde, contando com vários hospitais públicos e particulares, além de dezenas de postos de saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e centros médicos, espalhados por toda a cidade, que servem à macrorregião da Bahia.

É, igualmente, um grande polo educacional, sediando duas Universidades Públicas: a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs); e o Centro de Tecnologia e Sustentabilidade (Cetens), braço da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB). Além do Instituto Federal da Bahia e do Centro de Educação Tecnológica da Bahia (Ceteb).

A Princesa se engrandece e se envaidece, com a atuação de mais de 30 faculdades particulares que participam da democratização do ensino superior, bem como de seus colégios públicos e privados de elevado padrão de ensino, tais como o Colégio Municipal, Colégio Helyos, Colégio Gênesis, Colégio Nobre, Colégio Casto Alves, Acesso, Despertar, Paulo VI e tantos outros que contribuem com o processo educacional da juventude regional.

Na cultura, destacam-se o Museu Parque do Saber, o Centro Universitário de Cultura e Arte (Cuca) e as Academias de Educação, de Letras, de Letras e Artes e Metropolitana, ensejando ao poeta feirense, Carlos Pita, consagrar Feira de Santana como “o coração popular do Brasil.”

Louvo Feira de Santana por ser uma cidade que valoriza sua história, mas fitando o futuro. “Do futuro és a linda esperança. Uma Princesa altaneira e seu povo, cheio de vida, só trabalha para vê-la elevada”, decreta a poetisa maior Georgina de Melo Erismann. E assim avança. Está no seu DNA o crescimento sustentado, o protagonismo, o progresso. Por isso tem fome e sede, tem carências, tem reivindicações.

Seus súditos mais conectados já encetam a campanha dos 200 anos. Como a Princesa do Sertão precisa chegar em 2033, quando completará 200 anos de autonomia como cidade. O Programa “de olho na cidade”, da Rádio Sociedade, está a estimular a formulação de propostas que contemplem os sonhos dos 200 anos e as perspectivas do futuro da cidade.

Cidade que não abre mão de continuar influindo nos destinos do País e do Nordeste, em especial. Evidentemente, carece de um aeroporto de maior porte; de um Centro de Convenções; de duplicação de avenidas; de um adequado centro de abastecimento; de um Contorno maior; de um Centro Cultural no distrito de Maria Quitéria, para ampliar o São João de José, a exemplo do que faz a cidade de Campina Grande, na Paraíba; de ampliação das condições de emprego e renda, para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. E de muitas coisas mais.

Todavia, penso que a maior carência de Feira de Santana para assegurar o coroamento da Princesa, consolidar em definitivo o seu futuro, o seu desenvolvimento e protagonismo nordestino, está na implantação de uma Universidade Federal, em que pese a existência e boa atuação das instituições universitárias já presentes na cidade. Entendo, ainda, que elas já não dão conta das demandas da juventude e dos novos tempos.

Urge pensar numa Universidade Federal pós-pandêmica, projetada para atuar com inovações tecnológicas, focada na tecnologia, na produção do conhecimento científico, que atue em parceria com a empresa privada, urbana e rural, igualmente sedenta de inovação tecnológica e que, assim, possa responder aos desafios da região semiárida, dos polos tecnológicos do Nordeste brasileiro e do novo mundo em transição.

Sabemos todos que a universidade é o principal instrumento de aceleração do desenvolvimento da sociedade. Vale, aqui, lembrar os desafios apontados por Cristóvam Buarque, que muito tem refletido sobre educação brasileira e sobre o papel da universidade no mundo pós-moderno, quando concebe a universidade, em especial a universidade pública, como a única instituição capaz de todos os gestos, de todas as ações, de envolver-se com setores os mais diversos e divergentes, descobrir interesses comuns e ter a capacidade de transformar conhecimentos em serviços reais para a sociedade. Por isso, diz ele, “é quase consenso entre os educadores e cientistas sociais que um País será o que forem suas universidades, porquanto são elas as locomotivas do desenvolvimento”. Estou, igualmente convicto, de que a Princesa, para consolidar seu reinado, carece dessa locomotiva.

Esta relação tende a tornar-se mais clara e mais desafiadora quando se pensa na universidade como academia capaz de responder ao fantástico desafio das mudanças históricas que eclodem nessa etapa do século XXI, exigindo esforços de reengenharia, de reinvenção de novos paradigmas, creditando-a como contemporânea de um novo tempo. Tempo que já se convencionou denominá-lo de era do conhecimento, tempo da tecnologia.

Em um tempo histórico onde a sociedade tende a tornar-se, toda ela, “sociedade do conhecimento” e plenamente conectada, cabe à universidade, evidentemente, a missão privilegiada de relacionar o seu papel educativo com a produção crítica do conhecimento, tendo pela frente o desiderato de assumir posição de vanguarda não só na formação de profissionais competentes que saibam alocar conhecimentos para usos produtivos, como na participação compromissada no processo de transição para novos ciclos de transformação da sociedade.

Imagina-se, para esse novo tempo, uma universidade plenamente inclusiva, democrática e pública. Pública, na definição do dicionário Aurélio, é “o que se destina ao povo, à coletividade”. Em verdade, ela é um patrimônio da sociedade, por ela criada e mantida, e, portanto, deve estar a serviço de toda a sociedade. Cabe salientar que não é a gratuidade para os estudantes, nem a eleição direta para os cargos de direção, que a fazem democrática e pública.

Um salto maior precisa ser dado quando se pensa na criação de uma nova universidade. Deve ser moderna e verdadeiramente pública. Pública no sentido amplo, de estar envolvida na busca de soluções, ao mesmo tempo, dos meninos de rua, das questões da periferia aos setores regionais de produção; preocupada, a um só tempo, com os minúsculos problemas da população local e com as grandes questões regionais, nacionais e do universo. E de colocar-se a serviço do conjunto da população, levando os resultados de suas descobertas, de seu saber e de sua ciência, para todas as faixas etárias, para todas as classes sociais, beneficiando a todas e todos os seus segmentos da sociedade.

Por outro lado, há de se reconhecer que na interação da Universidade com a sociedade, pode se encontrar a base para a melhoria da qualidade de seu próprio trabalho acadêmico. Porquanto qualidade e competência não são produtos exclusivos de laboratório, nem de tecnologias transplantadas, mas, antes, resultantes da consciência social que se torna efetiva no enfrentamento dos reais problemas da população.

E isso ela produz não apenas mediante a formação de alguns profissionais privilegiados, mas pela postura permanente de instituição engajada, comprometida, parceira, na desafiadora luta travada pela sociedade na busca de seu destino, na produção do conhecimento, nos avanços da ciência e da tecnologia, do desenvolvimento sustentado e do bem estar de suas populações.

Só nessa relação de interação, de compromisso, a universidade se torna necessária, como preconiza Darci Ribeiro, e poderá cumprir o seu pleno papel, e tornar-se para a sociedade, na condição de centro privilegiado de produção do conhecimento, a fonte de energia criadora, viabilizadora de esperanças, instrumento eficaz de transformação social e de desenvolvimento humano. Essa universidade, assim concebida, ainda não existe nos domínios da Princesa. E faz-se necessária, urgente e plenamente factível.

Quando, em 2013, acolhemos no campus do Instituto de Educação e Desenvolvimento (Ined), o sucessor do Serviço de Integração de Migrantes (SIM), a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), para colocar um braço em nossa cidade, o Centro de Ciências, Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (Cetens), o fizemos na perspectiva confessada, declarada, de que se instalaria ali, naquele momento, o berço que haveria de embalar a futura Universidade Federal de Feira de Santana. Uma Universidade Federal, autônoma, inteiramente nova, inclusiva, democrática e pública, para consolidar o processo de transformação e desenvolvimento do Município e de sua grande e desafiadora região.

A expectativa do Ined – entidade responsável pela execução do mais ousado projeto social, que capacitou mais de 23 mil migrantes, nas décadas de 1970 e 1980, vindo a ser considerado o projeto cristão-ecumênico mais significativo da América Latina, que inspirou três Teses de doutorado, algumas de Mestrado e diversos Trabalhos de Conclusão de Curso de Graduação, que recebeu o espontâneo reconhecendo local, nominando o bairro onde se encontra a sua sede, o populoso e próspero bairro SIM – é de que o Cetens seja o embrião, a semente, da futura Universidade Federal de Feira de Santana, que pleiteamos para a altaneira Princesa do Sertão.

Dez anos se passaram. Os recursos recebidos em decorrência da parceria com a UFRB foram totalmente aplicados em melhorias na propriedade. O Ined restaurou e ampliou o campus; construiu novos prédios; ampliou outros tantos; aumentou a capacidade energética; requalificou suas praças, tornando-as agradáveis espaços de convivências; melhorou a infraestrutura, o paisagismo; e, no presente, implanta ambicioso projeto de acessibilidade em todo o campus, sempre na perspectiva da implantação da almejada Universidade Federal em Feira de Santana.

E nos dez anos de parceria, a UFRB se expandiu na Bahia e o Cetens cresceu em Feira de Santana. São oito cursos de Graduação reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC), alguns inéditos e pioneiros, em nível de Brasil. Quatro cursos de Pós-Graduação, sendo dois Mestrados, vários projetos de pesquisas relevantes para a região e o País sendo implementados, com resultados animadores, reunindo quase 1,2 mil alunos.

Entendo, na condição de educador e de parceiro, que não dá mais para continuar como Cetens. A dedicação e a competência dos operadores (gestores, professores, estudantes e funcionários) fizeram o Centro crescer, avançar na produção acadêmica, de forma a exigir autonomia, para não impossibilitar seus avanços. Merece ser promovido. Proponho que seja transformado na Universidade Federal autônoma em Feira de Santana.

Assim acontecendo, o Ined está decidido a doar seu campus, por ele utilizado nessa etapa inicial de dez anos, situado na Avenida Centenário, região nobre da cidade, na convergência das maiores Avenidas (Getúlio Vargas, Noide Cerqueira e Contorno) com 50.375,46 metros quadrados e todos os seus prédios, inclusive o Colégio Professora Tecla Mello, para servir de campus inicial da nova Universidade. A Universidade Federal da Princesa do Sertão. Aí sim, poderemos cantar: “Salve ó terra formosa e bendita, paraíso com o nome de Feira, toda cheia de graça infinita, és do Norte a princesa altaneira”.

 

 

* Josué da Silva Mello é Licenciado em Filosofia e Sociologia, Mestre em Educação. Presidente do Instituto de Educação e Desenvolvimento (Ined); ex-Reitor da Uefs; professor titular de Ciência Política da Uefs; ex-Diretor Geral da FTC e da Faculdade 2 de Julho; ex-membro e vice-Presidente do Conselho Estadual de Educação; Secretário Municipal de Educação em Feira de Santana; Presidente da Academia de Educação; membro da Academia de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana (IHGFS); do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBA); da Academia de Cultura; da Academia de Educação da Bahia; e da Academia Nacional de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais.



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