Sempre vejo
o casal de jovens num dos semáforos da Avenida Maria Quitéria. Enquanto um
deles cuida do filho - um bebê de colo - o outro se aventura entre os
automóveis, oferecendo pacotes de balas de gengibre. Depois, revezam. Sempre
ficam pela manhã. À tarde, há outros vendedores. Naquelas cercanias, é grande a
variedade de ambulantes. Aliás, em toda a Feira de Santana, com seus
incontáveis semáforos. Mas aquele casal chama a atenção.
Não apenas
porque são muito jovens. Embora sob circunstâncias adversas, mantém o padrão de
classe média baixa - a postura, as próprias roupas - que, provavelmente,
perderam durante a terrÃvel pandemia que persiste. O que os destaca, porém, é a
forma como lidam com a criança.
A mãe se
desvela em cuidados com o bebê. Perto, há sempre a mamadeira, a fralda, a bolsa,
a cadeirinha que acomoda a criança. Às vezes, oferece seus produtos entre os
automóveis com o bebê atado ao corpo, à moda das mães africanas. Só interrompem
a faina quando o sinal abre e o os motoristas avançam, impacientes, para seus
compromissos.
Quando o
calor está mais feroz, abrigam-se sob as árvores, no canteiro da avenida. Quem
passa, flagra então os cuidados e o carinho que devotam à criança. A mãe,
sempre cuidadosa; o pai, por sua vez, esquece a labuta, as balas de gengibre e
a clientela muitas vezes indiferente e lança um olhar profundamente terno para
o filho. Notei-o mais de uma vez.
Imagino que,
nestes instantes, sonha um futuro melhor para o bebê, para o próprio casal. Mesmo
tão jovens, vejo-os muito unidos enfrentando a batalha naquele cruzamento,
responsáveis e serenos, apesar das adversidades. Aquela criança merece um
futuro melhor. Os pais também. É dura, cruel e sem perspectiva a vida num
semáforo, mercadejando entre os automóveis. O esforço é imenso e o risco de
atropelamento não é negligenciável.
Sigo em
frente, sempre pensando que milhares - milhões? - de jovens, hoje, defrontam-se
com a mesma vida dura, sem oportunidades. Não é só a pandemia: campeão em
desigualdades, o Brasil escancarou a exclusão a partir da Covid-19,
naturalizou-a. Os monstros que estão aà no poder, arreganhando os dentes, não
são um acaso, nem um acidente, mas a normalização do horror.
Lembro que o
Natal se aproxima e a época é sempre propÃcia aos bafejos de esperança, Ã
expectativa de dias melhores que a mudança de calendário favorece. Torço,
portanto, por dias melhores para todos os jovens brasileiros, que personifico naquele
casal com seu bebê. Embora saiba que isso só começará a ser possÃvel quando a
tenebrosa noite que paira sobre o Brasil se dissipar...