Primeira
instituição de nÃvel superior instalada na cidade, a Universidade Estadual de
Feira de Santana (Uefs) completa, nesta segunda-feira (31), 45 anos de existência.
A escolha de sua localização, na porta de entrada do semiárido baiano, foi estratégica.
O objetivo era descentralizar a educação de terceiro grau, até então restrita a
Salvador, capital do estado.
A
Uefs derivou de uma polÃtica governamental norteada pela Teoria do Capital
Humano, que entende o
processo educacional como investimento pessoal e social capaz de gerar desenvolvimento
econômico. Sua implantação foi longa, tendo sido iniciada, ainda na década de 1960,
quando, sob o influxo desse pensamento, o governo baiano deu forma a um plano
integral de educação voltado à expansão do sistema de ensino em todos os nÃveis.
O projeto visava a formação de quadros para o processo de
industrialização. E Feira de Santana, com indicadores econômicos e sociais que
a tornavam o mais importante centro polarizador de desenvolvimento do interior
do estado, foi contemplada, em 1968, com uma Faculdade de Educação. A ideia era
a formação de professores, que seriam integrados, posteriormente, ao quadro
docente do que, no futuro, viria a se tornar a Uefs.
Em 1970, nasce, então, a Fundação Universidade de Feira de
Santana (Fufs). Seis anos mais tarde, estruturada sobre os pilares do Ensino,
da Pesquisa e da Extensão, é autorizada a funcionar com três cursos de
licenciatura e cinco cursos de bacharelado. Em dezembro de 1980, em função de
um processo de Reforma Administrativa do Estado, a Fufs é sucedida pela Universidade Estadual de Feira de Santana,
passando a funcionar como Autarquia Especial, regime que assegura a sua
autonomia institucional.
O
que se viu florescer, desde então, foi uma universidade pública, gratuita e comprometida com a responsabilidade social e com o
desenvolvimento sustentável da região na qual está inserida, região esta,
historicamente, assolada por problemas climáticos e econômicos. A Uefs se
expandiu rapidamente, concentrando
suas ações no centro-norte baiano. E, hoje, está presente em cerca de 150
municÃpios, em cumprimento do seu objetivo social, que é preparar cidadãos para
exercer tanto liderança profissional e intelectual, quanto para desempenhar,
propositivamente, seus papeis na definição dos destinos da sociedade.
Nesses 45 anos, a Uefs se consolidou como uma instituição de excelência
acadêmica e de credibilidade cientÃfica, referenciada não apenas nacionalmente,
mas também internacionalmente. Além de diversos cursos de pós-graduação, oferta,
atualmente, 28 cursos de graduação permanente, distribuÃdos em quatro áreas de
conhecimento, sendo 14 de bacharelado, 11 de licenciatura e 03 de dupla
modalidade.
Por ano, abre 1.926 vagas regulares. Além disso, implementa turmas
de oferta especial, através do Programa de Formação de Professores em Serviço;
de dois cursos experimentais de Educação à Distância; e de um curso de Direito
para beneficiários da Reforma Agrária.
Ao todo, a Uefs contabiliza
28.479 diplomados. E desenvolve projetos de Extensão de extrema relevância,
proporcionando à comunidade externa diversos serviços de saúde e de atenção social.
Além disso, muito contribui para o desenvolvimento cultural da população, principalmente,
através de ações de resgate histórico das tradições locais, como ocorreu com o
Bando Anunciador da Festa de Santana, e de eventos que se consolidaram no calendário
da cidade como uma referência, a exemplo do Festival Literário e Cultural de
Feira de Santana (Flifs), verdadeira celebração da leitura, da arte e da
cultura popular.
Mas a história da Uefs
também é marcada por grandes desafios, como é o caso da implantação de
polÃticas públicas afirmativas e de permanência, que primam pela inclusão de grupos
socialmente discriminados e pelo atendimento de uma parcela da comunidade acadêmica
mais carente de recursos; dos contingenciamentos orçamentários, que muito prejudicam
seu pleno funcionamento; das decisões governamentais consideradas arbitrárias e
que afetam, diretamente, a continuidade de projetos de pesquisa relevantes; e
do impacto que a crise sanitária desencadeada pela pandemia do novo coronavÃrus
vem impondo ao mundo, obrigando as instituições de ensino a se reinventar, para
dar continuidade aos seus projetos educacionais.
Quem fala sobre a trajetória da Uefs, ao longo desses 45
anos, e sobre a complicada conjuntura vivenciada nesse contexto marcado por
sucessivas dificuldades financeiras e, agora, de operacionalização de suas
atividades, é o professor Evandro do
Nascimento Silva, reitor da instituição.
O gestor, que assumiu a administração superior da
universidade no dia 15 de maio de 2015, concedeu uma entrevista ao Jornal Tribuna
Feirense, onde destaca a dimensão e importância da instituição; fala sobre
os principais projetos desenvolvidos nos âmbitos do Ensino, da Pesquisa e da
Extensão; sobre a relação de proximidade que a universidade mantém com a
comunidade; sobre as perdas e danos gerados por decisões governamentais e pelo estrangulamento orçamentário; e sobre a capacidade de superação da Uefs frente Ã
ameaça viral que, somente no Brasil, já ceifou mais de 460 mil vidas.
Evandro do Nascimento Silva afirma, ainda, que a Uefs iniciou
pesquisas para gerar conhecimento sobre a Covid-19. E arremata destacando o que
espera para o futuro da instituição, que considera um "sustentáculo da
liberdade de pensamento, da defesa de direitos do povo e da democracia".
Confira!
Como primeira
instituição de Ensino Superior da cidade, qual a dimensão da Uefs para a região
na qual ela está inserida?
A Uefs é uma grande universidade, bem conceituada, bem
avaliada, que forma profissionais e cidadãos capazes de fazer a diferença na
sociedade. Essa é a dimensão da Uefs para a região.
Nesses 45 anos de
existência, o que considera marcante na trajetória da instituição?
Primeiro, a interiorização do Ensino Superior, como maior
legado. Segundo, ter feito grandes entregas à população. Os profissionais que
formou, os serviços que prestou, ao longo desse tempo. O conhecimento que gerou
sobre Bahia, principalmente o semiárido. Terceiro, ter conseguido ser uma
universidade de pesquisa e inserida até no meio cientÃfico internacional.
Quarto, ser uma universidade diversa e inclusiva.
Quais os principais
projetos desenvolvidos pela instituição, nos últimos anos?
Uma marca do perÃodo recente foi a ampliação da
pós-graduação, pois novos cursos de mestrado e doutorado foram criados. Destaco
ainda a movimentação da cena cultural de Feira, com o Bando Anunciador, o
Festival de Sanfoneiros, a Feira do Livro, a criação do curso de Música, e ter
o embrião de uma Orquestra Sinfônica. Um programa de intercâmbio que permite a
50 alunos estudar em universidades estrangeiras, a cada ano. E, na graduação,
foi realizado um trabalho de atualização das diretrizes curriculares e dos
projetos pedagógicos dos cursos, conjugado com um programa de formação
continuada de professores. Com isso, nossos alunos podem ter uma formação
atualizada e de qualidade.
A Uefs tem uma relação
muito sólida com a comunidade feirense, principalmente por causa dos projetos
de Extensão que oferece. Quais os mais relevantes, na sua concepção?
Todos são relevantes e esses projetos alcançam um número
grande de pessoas. A Universidade Aberta da Terceira Idade (Uati) atende 900
idosos, aproximadamente. As oficinas de arte do Centro Universitário de Cultura
e Arte (Cuca) chegam a ter 2.200 alunos matriculados. As clÃnicas odontológicas
fazem em torno de 3.550 procedimentos, por semestre. Nosso curso de Enfermagem
atua em 20 unidades de saúde. A Feira do Livro alcança um público de 60 mil
pessoas. Ao todo, as atividades de extensão da Uefs alcançam 200 mil pessoas
por ano. Essa ligação com a comunidade é muito forte.
O senhor assumiu a Uefs
em meio a uma grave crise orçamentária. Como geriu o problema? Como a
instituição tem lidado com essas dificuldades?
Tivemos um momento difÃcil com o contingenciamento
orçamentário, desde 2016. Mas ajustamos as despesas e estamos sempre mostrando
ao Governo do Estado a necessidade de financiamento da universidade, para não
perdermos a qualidade do Ensino, não fragilizarmos a Pesquisa e fortalecermos a
Extensão. Tivemos que reduzir certas despesas. Isso equilibra as contas? Pode
ser. Mas, muitas vezes, sacrifica algumas açõe; precariza, de alguma forma, a
universidade. Neste último perÃodo, temos conseguido dialogar e avançar, em um
cenário que vem melhorando, sobretudo, no aumento dos recursos de investimento
(para realização de obras, compra de equipamentos, aquisição de livros e
mobiliário). Queremos ampliar os investimentos e qualificar mais ainda a Uefs.
Para isso, apostamos no diálogo.
Muitas mudanças
ocorreram no universo acadêmico, especialmente, na última década. PolÃticas de
permanência foram ampliadas e implantadas; a forma de ingresso nas instituições
de nÃvel superior mudou. Como a Uefs lidou com esses câmbios? O que a
instituição construiu de positivo em relação a esses fatores?
A universidade pública, no Brasil, se autoprofessa um meio de
transformação social. A adoção da polÃtica de cotas no acesso a parte das
vagas, por origem em escola pública e também por critérios étnico-raciais,
trouxe, de fato, essa transformação social na própria universidade. Hoje, o
corpo discente da Uefs é mais diverso, etnicamente, socialmente, culturalmente.
O que foi construÃdo positivamente foi a universidade se pintar de povo, como
dizem os movimentos sociais. Quando, numa aula, se falar da história de
massacre dos nossos Ãndios, pode ter lá um estudante indÃgena para falar do seu
lugar. Ou o quilombola falando de racismo; ou o deficiente falando de educação
inclusiva; ou quem é LGBTQI+ falando do respeito à diferença e à diversidade.
São outros olhares, outros corpos, outras vivências enriquecendo a
problematização epistemológica da realidade brasileira nos diversos campos do
saber.
Recentemente, a
imprensa denunciou a subtração de uma área importante para a Uefs, em termos de
pesquisa. Qual a situação do Horto Florestal, atualmente, e qual o impacto dessa
ação governamental para a comunidade acadêmica?
Foi uma situação inaceitável, com a qual não concordamos. Não
conseguimos reverter, por mais que tenhamos tentado. Foi uma decisão
impositiva. A perda de 8 mil metros quadrados de terreno afetou as pesquisas
agronômicas no Horto Florestal. Nesse momento, algumas medidas compensatórias
estão em curso. Mas o melhor era nada disso ter acontecido.
O mundo vive um momento
difÃcil, por conta da pandemia de Covid-19, e um dos setores mais afetados foi
a Educação. Quais desafios a Uefs vêm enfrentando, desde o começo da crise
sanitária. Como avalia o desempenho da universidade, nesse contexto?
Avalio que a Uefs teve um desempenho ousado e assertivo, nas
respostas ao contexto da pandemia. Em 2020, realizamos um PerÃodo Letivo
Extraordinário, com atividades de ensino exclusivamente virtuais, que foi um
importante aprendizado com novos recursos tecnológicos. Agora, estamos em um
semestre regular, também por ensino remoto, com oferta de 1.200 disciplinas e
isso é semelhante à oferta antecedente presencial. Na extensão universitária,
mantivemos eventos importantes também em formato remoto, a exemplo da Feira do
Livro, e, em breve, teremos o Festival de Sanfoneiros. A extensão floresceu com
eventos virtuais e, com isso, entregamos muito conhecimento à sociedade. Está
tudo disponÃvel para a população, em dezenas de canais da Uefs no Youtube. Na
pesquisa, gostaria de destacar que a Uefs iniciou dezenas de projetos de
pesquisa sobre a Covid-19, que trarão mais conhecimento sobre esta doença. A
eficiência da rotina administrativa da instituição tem sido mantida, graças ao
nosso valioso corpo de servidores técnico-administrativos. A Uefs não parou,
ela ousou e está em ação, cumprindo seu papel social.
Pós-pandemia,
imagina-se que não será possÃvel voltarmos, exatamente, ao que éramos antes da
crise sanitária. A Uefs está se preparando para esse retorno? É possÃvel fazer
uma projeção?
Teremos que conviver, ainda por um tempo, com o novo
coronavÃrus, mesmo com ampla vacinação. Portanto, a volta das atividades
presenciais vai exigir um ambiente com cuidados sanitários e comportamento de
distanciamento fÃsico. Por isso, a Uefs aprovou um Plano de Retomada de
Atividades Presenciais que norteará o momento desse retorno, com medidas que
tragam segurança sanitária à comunidade. Os dados da Covid-19 ainda são
preocupantes, e devem permanecer assim por um tempo. A manutenção das
atividades remotas, então, é a opção mais acertada, com a necessidade de
inserir, gradualmente, atividades presenciais. Isto deve ser considerado como
um caminho possÃvel, em algum momento do segundo semestre.
O que a Uefs é, para o
senhor? Qual o maior legado dela, até aqui? Como gostaria de vê-la,
futuramente?
Para mim, a Uefs é um instrumento de desenvolvimento e uma
riqueza sem tamanho para o povo feirense. Ela potencializa setores como saúde,
educação, economia, cultura, a partir da interação das atividades dos cursos e
das pesquisas com esses temas da vida da região. Eu estimo que a Uefs tem o
potencial de fazer movimentar entre 60 e 80 milhões de reais por ano, em Feira
de Santana, já que seu orçamento executado anualmente é de 260 milhões. Sem a
Uefs, como ficaria essa economia local? Para o futuro da Uefs, eu sonho que a
população de Feira de Santana continue amando, valorizando, tendo orgulho dessa
universidade. Que a comunidade universitária lute contra a ameaça à sua
existência, pois a conjuntura do paÃs traz claros sinais de ataque Ã
universidade pública. Porque ela é um sustentáculo da liberdade de pensamento,
da defesa de direitos do povo, da democracia. E muitos não querem que o povo
pense criticamente, tenha direitos. Destruir a democracia é, atualmente, um
desejo de setores retrógrados da polÃtica brasileira. Eu sonho com uma
universidade viva, que seja um farol na luta do nosso povo por liberdade,
direitos fundamentais, igualdade e soberania, para pôr fim ao tempo sombrio que
vivemos, hoje.