A grande desistência já está à margem do mundo
e os dementadores já espreitam as covardias e a queda
– anuncia o demônio, em suas falas de ordem-,
e o que resta, nos homens, não é mais que engano.
Não é mais que essa marcha trôpega e estúpida.
Não é mais que apascentar sua ridícula criatura,
de servidão arcaica, vitórias falsas, títulos inúteis.
Não é mais que a deslealdade e suas ruínas,
não é mais que as almas taciturnas, de tédio e sentido,
à sombria tarde do ocaso e do desespero.
Em todas as coisas feridas:
a pátria e seus porões,
a pátria e seus poderes,
-tudo que é terrível demais-,
a cumplicidade dos exploradores,
os abusadores da autoridade,
e tudo que faz o esboço interminável da pátria.
O fruto maldito de toda escravidão,
e o exílio dos necessitados.
Deus, os limites das leis,
teu débil nome que os servos dizem em vão,
e a cisma que nos assombra,
dos inexplicáveis silêncios de Deus,
e sua cria, a quem tudo é permitido.
A fome de tudo, e a fome,
primitiva, a fome, e só, que a fome não exige
nada mais que seu próprio horror.
Os anunciadores da morte, e a banalidade de suas
guerras, sem culpas e remorsos, sem sequer um silêncio.
Os corpos sem exigências de amor,
e tudo que não é perenidade.
O desabamento do pai e suas certezas de pai.
A cigarra nas folhas do capim,
e os jardins de cinza e venenos.
Em tudo, a mesma corrosão.
O motim de desavisados,
a liberdade de festim,
a mesma falta de razão,
a mesma língua incompreensível de homem a homem,
e dos antepassados, em seus leitos secos.
E tudo que nos desossa:
a vaidade, o poder, a indiferença;
o inferno da existência compartilhada;
a soberba, a ganância e seus cortiços de glórias;
e nenhuma verdade, nenhuma verdade inteira,
nenhuma verdade que lave os olhos no orvalho da manhã,
sem secá-lo.
Os amores de giz,
e todas as posses que sequer custam o nome,
ou a memória.
Os amantes que sem miséria ou glória,
resultam inúteis,
todas as incertezas de amar em dias tão frágeis,
e a vida sem compaixão.
Os enfermos de poder,
os senhores infalíveis,
os que não hesitam meios,
fins,
nem mutilações.
Os que marcham para a morte, sem terem vivido
a sua hora de homem.
Os amigos que caíram.
As léguas de solidão dos cegos pelo rancor,
e a temerária ira dos traídos.
As dores de todas as vítimas,
imperecíveis.
E resta o açoite das palavras,
todas as outras coisas vãs,
as rosas cálidas, de Outubro,
e a derradeira esperança,
de não aceitarmos viver em subterrâneos,
fracos e amedrontados,
para que a vida e seu canto bárbaro
ocupe o ermo inabitável
dos corações,
desfaça o escuro em avesso,
e debulhe a casca, o seco,
a nódoa,
que entranha a alma, feito poeira sobre o móvel,
às três da tarde.
E arranque, do chão, o outro,
Lave, das ruas, o estrume seco
do homem.
E acorde, em outra manhã,
dos dias à míngua.