Não caminho sem avarias, mas não atiço lamentos. Não margeio perdas ou danos. Não cobiço sesmarias além daquelas da alma. Celebro as especiarias, os pratos elaborados, o maturi, a abóbora com leite, e as taças da embriaguez. Os abraços dados, em silêncio, ou comunhão; as palavras que confessei onde se confessava palavras, e muitos de mim habitaram.
Sou de melancolias e solidões, mas um amigo perdido me dilacera. Cometi vilanias - demasiado humano-, mas apanhei mais que o merecido. Tenho sérias reclamações a meu respeito, mas sou bom filho e pai. Toquei, por vezes, ah Deus, o inacessível chão, como milagre pessoal. Fiz-me, nem sempre por escolhas, mas, sim, por arrebatamentos. Ouvi música, como reza, e dancei imaginariamente o infinito baile dos corpos.
Não sei muitas coisas simples, que todo mundo sabe. Sou de rara inabilidade, mas tenho coração. Afirmo, com certeza, ainda que cambaleante. Sou de boas intenções, embora saiba que o inferno tem algumas minhas. Embriago-me com tanto da vida: a roça com um verde virgem, quando chove; cartas em papel, um ciclista que entrega flores, papel jornal, os textos que invejo não ter escrito, ruas de pedra, vestido de flores, vinhos de sobremesa.
Coleciono sinos dos lugares que vou, imaginando que dobram por mim; amo doces e sou perene com o de tomate. Quero as coisas certas, bem feitas, mas sem exageros doentios. Sou de sol, lua e neblinas. Peixes, do segundo decanato. Com ascendente em esperança. Sou.