O longo caminho da civilização a liberdade individual, o estado de direito, a democracia, o direito a propriedade, o voto livre, foram conquistas que se tornaram o grande legado de nossa trajetória. Não foi construído sem sacrifício e vidas, retiradas por tiranias que ameaçaram essas conquistas, de forma sorrateira, às vezes, ou de forma, bruta, em outras. A liberdade, com seu poder de mobilização extraordinário, desencadeadora de todos os avanços e conquistas que o espírito e a inteligência humana conceberam, é, de todas, a mais cativa das ambições humanas. Não suportamos a opressão que uniformiza e retira do cidadão sua individualidade, potencial criativo e supremo direito de escolha, em nome do Estado, partido, fé, ou capital.
Sartre dizia que a liberdade era absoluta ou não existia, e que estamos condenados a sermos livres. Esse é nosso destino, mas não creio que exista forma absoluta, afinal, estamos sempre delineados pelas memórias, afetos, experiências, fé, ou falta dela, portanto, toda escolha condicionada é um limite a essa liberdade. A grande busca é aproximar a liberdade vivida da liberdade desejada, ou que aceitamos como suficiente. Nós somos o limiar de nossas concessões.
É mais fácil entender a liberdade em outro sentido. Hobbes afirmou que a liberdade natural, ilimitada, foi trocada pela liberdade civil, ao criarmos o Estado sob forma contratualista e esse passar a determinar os limites dessa liberdade. Locke rebateu afirmando: “Cedendo seus direitos ao Estado, os homens quiseram instituir um órgão que lhes garantisse a paz, a prosperidade e a justiça. Se o Estado se desvia de sua finalidade, se falha em relação aos seus objetivos deve ser dissolvido para que outro se organize”.
Nos dias atuais, em que a primeira geração desse terceiro milênio chega à maioridade, a liberdade parece um bem imperecível, depois que o Ocidente livre prevaleceu sobre o Nazismo e a Cortina de Ferro, do Comunismo, mas a verdade é que o exercício dessa liberdade civil está sempre sob ameaça. Não são poucos os que desejam o Estado Leviatã, regulador ao extremo, em que nada existe fora do Estado. Ele serve aos instintos mais primitivos de dominação, do homem.
A situação atual é mais grave porque as ameaças deixaram de se mostrar com armas em punho, e passaram a ocupar sutilmente o discurso, as idéias, os corações, infiltrando-se lentamente na Sociedade para diluir valores conservadores, referenciais históricos e institucionais, estruturas familiares, com objetivo de fortalecer o estado tutor, paternalista, regulador onipotente.
Além dos partidos que ocupam as mentes e corações das universidades, da mídia e dos formadores de opinião, passamos a ter grupos de pressão, que se utilizam de diversos discursos para estabelecer limites de ação ao outro e detentores dos meios eletrônicos de comunicação que usam sem pudor todas as possibilidades dessa dominante forma de rede social.
Aos poucos, estamos sendo encarcerados, dominados em nossa linguagem- o princípio de toda dominação é a dominação da palavra-, e o que é assustador, muitas vezes com a concordância do dominado que acreditar estar sob princípios razoáveis, e cede ao novo contratante. Como bem disse Manon Roland, antes de ser guilhotinada: Ó Liberdade, quantos crimes cometem-se em teu nome.
Os inimigos da liberdade estão sempre de prontidão, ávidos para dilapidarem a condição essencial de nossa existência, o que exige do indivíduo uma permanente capacidade de identificar e reagir, para manter-se livre: "Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós!
Tem uma floricultura essencial na esquina de meu prédio. Não que um bar intimista, para as mentiras; uma cuscuzeria, para as urgências da fome; um café, para os frios da alma, não sejam valores agregados de uma moradia, mas uma floricultura é a vizinhança mais necessária. Deveria, por decreto, haver tantas floriculturas quantas são as farmácias, na cidade, até porque os males do espírito costumam ser mais prevalentes do que os do corpo. Eu mesmo tenho, lá, certa freguesia, e amizade com as floristas.
Da janela da biblioteca onde escrevo vejo a pacata transversal da rua que vai até a loja. Nos finais de semana ela fica mais deserta. Num desses sábados, manhã amena, vejo um homem de média idade, bermuda, sandália, dobrar a rua abraçado a um ramo de rosas. Ia devagar e tranquilo, como quem sabe que está cumprindo uma missão superior: caminhar com flores para alguém. Sim, admitamos com alguma inveja, que alguém, naquela manhã de sábado, seria tão importante, que aquele homem saiu para comprar flores, a pé. E tudo que almejamos nessa vida é merecer flores na manhã de um dia qualquer. Poderia ter declarado seus sentimentos com palavras, mas optou pelas rosas que o poeta disse que não fala. E caminhava pela rua soberano e sereno, como quem ainda é capaz de delicadezas perecíveis, mas infinitas, em tempos de tanta desvalorização, talvez, apenas para dizer que começaria tudo outra vez. Ah, portanto, um conselho as mulheres: nunca amem um homem incapaz de andar na rua um sábado qualquer para lhes comprar flores.
Fui acompanhando-o, e, em exercício inútil do pensamento, fiquei a imaginar para quem seria: amada, filha, mãe, aniversariante, e torcendo que fosse uma mulher, em seu vestidinho de esperas, pronta para um abraço, uma concessão, uma chance de refiar os fios que nos conduzem adiante do labirinto e salvam nossa humanidade. Porque em toda mulher em que há amor, há a vastidão de uma pátria para nos acolher.
De repente, dois rapazes surgiram do nada, e um por cada lado, atacaram o homem, e com o celular e a carteira, saíram correndo. As flores não, que flores não têm valor. Por incrível que pareça ele não largou as rosas, mas já não era o mesmo. Assustado, continuou rápido até onde pude ver a rua. As rosas, agora, iam seguras na mão. Já não era o mesmo homem, nem as mesmas flores, nem o mesmo encanto.
Quis gritar, mas já era tarde; quis ser solidário, dar um abraço, me apresentar, pedir desculpas pelo tempo incerto e frágil em que amamos, mas nem o alcançaria. Assim, ficamos, ela, que a receberia, talvez, em pranto; e, eu, que a imaginei, sem a poesia daquele dia.
Nesse sábado fui a floricultura, um tanto desconfiado. Um homem fazendo o que aquele fazia deveria ser intocável, mas esse é um mundo em que já roubam até um homem com flores.
Está no Gênesis. Deus, disse: “ que exista a luz”. E a luz existiu. E suas palavras permitiram a vida no paraíso, sem pagode e taxa condominial. Depois veio a Coelba e nunca mais tivemos serviço com a mesma eficiência. A luz se tornou nossa metáfora predileta para justificar a esperança, pois, sempre acreditamos que há luz no fim do túnel, ainda que o túnel esteja cada vez maior e a luz cada vez mais difícil de ser vista.
Diógenes, com a luz de sua lanterna, vagava por Atenas, procurando um homem honesto. Hoje, o grau de dificuldade tornou-se tão acentuado que apesar de toda energia elétrica e cósmica consumida em Brasília, ainda não conseguimos completar sua busca. Goethe, autor de Fausto, antes de morrer, murmurou: “Luz! Mais luz! Não sabemos se já enxergava a volta à escuridão do lado de lá ou queria apenas deixar um grand finale, coisa que sabemos tão importante quanto a biografia. Como nunca se sabe quando vai ser nossa hora é bom estarmos prevenidos e pensando em algo, que uma frase pode ser tudo.
A primeira luz artificial, antropologicamente falando, foi o fogo, até que Edson inventou a lâmpada e as concessionárias de energia inventaram a selvageria da conta. Na evolução fomos iluminados de várias formas. Do tição ao óleo de tartaruga, passando aqui nas bandas sertanejas, pelos candeeiros e fifós.
Tenho terna lembrança dessa forma de iluminação, porque na fazenda onde cresci não tinha luz elétrica. Usávamos candeeiros, feitos com lata de óleo e um ou outro mais sofisticado, que ficava na sala de visitas. À noite, lia o jornal para meu pai, com o candeeiro correndo sobre as letras, e, sei lá porque, vou escrevendo isso e sendo tomado por uma súbita emoção e uma saudade que não sei bem do que é, que cronista, embora não pareça, também é humano e tem lá suas fraquezas. Tinha prazer quando me pediam para trocar o pavio de algodão, que havia apreendido a trançar, e que executava como um Da Vinci a pintar a Mona Lisa, embora eu nem goste muito dela.
A luz das lamparinas artesanais era muito acolhedora. Depois apareceu um, metido a besta, chamado Aladim, que passou a ocupar a sala, e, só na adolescência, chegou a luz elétrica e a televisão. Mas foi sob a luz do pavio, que mal disfarçava a escuridão, que descobri os segredos do corpo de uma moça escura, entre a desconfiança de minha mãe e a cumplicidade de meu pai.
A eletricidade produziu muitas mudanças. Não preciso mais bater leite na garrafa para fazer manteiga, nem raspar das panelas, as sobras do requeijão, ou rachar lenha para o fogão. Às vezes, durmo lá, com os filhos. A casa, atualmente forrada, infelizmente já não deixa passar sereno pelas telhas nas noites de chuva, - quem já morou em casa assim sabe o que estou dizendo e quem nunca experimentou não sabe a delícia que perdeu.
Uma noite, estávamos a beira do curral, onde ficávamos conversando. A menor cismou de perguntar porque tinha todas aquelas luzes no céu. Na Via Láctea - corrigiu meu filho maior, chamando a irmã de burra. Na falta do que inventar disse a eles que o céu era muito grande, infinito, mais do que nossos olhos juntos, ao mesmo tempo, podiam ver. E todos que tinham a alma pura, os honestos, todos que viveram seus amores finitos e infinitos, todas as famílias, iriam lá, se reunir. Mas, como era muito vasto e escuro, Deus, que amava a todos, precisava iluminar os caminhos e para isso usava candeeiros. E que eu os amava tanto, que um dia andaríamos por lá, juntos. Iluminados pelo candeeiro de estrelas
Está no Gênesis. Deus, disse: “ que exista a luz”. E a luz existiu. E suas palavras permitiram a vida no paraíso, sem pagode e taxa condominial. Depois veio a Coelba e nunca mais tivemos serviço com a mesma eficiência. A luz se tornou nossa metáfora predileta para justificar a esperança, pois, sempre acreditamos que há luz no fim do túnel, ainda que o túnel esteja cada vez maior e a luz cada vez mais difícil de ser vista.
Diógenes, com a luz de sua lanterna, vagava por Atenas, procurando um homem honesto. Hoje, o grau de dificuldade tornou-se tão acentuado que apesar de toda energia elétrica e cósmica consumida em Brasília, ainda não conseguimos completar sua busca. Goethe, autor de Fausto, antes de morrer, murmurou: “Luz! Mais luz! Não sabemos se já enxergava a volta à escuridão do lado de lá ou queria apenas deixar um grand finale, coisa que sabemos tão importante quanto a biografia. Como nunca se sabe quando vai ser nossa hora é bom estarmos prevenidos e pensando em algo, que uma frase pode ser tudo.
A primeira luz artificial, antropologicamente falando, foi o fogo, até que Edson inventou a lâmpada e as concessionárias de energia inventaram a selvageria da conta. Na evolução fomos iluminados de várias formas. Do tição ao óleo de tartaruga, passando aqui nas bandas sertanejas, pelos candeeiros e fifós.
Tenho terna lembrança dessa forma de iluminação, porque na fazenda onde cresci não tinha luz elétrica. Usávamos candeeiros, feitos com lata de óleo e um ou outro mais sofisticado, que ficava na sala de visitas. À noite, lia o jornal para meu pai, com o candeeiro correndo sobre as letras, e, sei lá porque, vou escrevendo isso e sendo tomado por uma súbita emoção e uma saudade que não sei bem do que é, que cronista, embora não pareça, também é humano e tem lá suas fraquezas. Tinha prazer quando me pediam para trocar o pavio de algodão, que havia apreendido a trançar, e que executava como um Da Vinci a pintar a Mona Lisa, embora eu nem goste muito dela.
A luz das lamparinas artesanais era muito acolhedora. Depois apareceu um, metido a besta, chamado Aladim, que passou a ocupar a sala, e, só na adolescência, chegou a luz elétrica e a televisão. Mas foi sob a luz do pavio, que mal disfarçava a escuridão, que descobri os segredos do corpo de uma moça escura, entre a desconfiança de minha mãe e a cumplicidade de meu pai.
A eletricidade produziu muitas mudanças. Não preciso mais bater leite na garrafa para fazer manteiga, nem raspar das panelas, as sobras do requeijão, ou rachar lenha para o fogão. Às vezes, durmo lá, com os filhos. A casa, atualmente forrada, infelizmente já não deixa passar sereno pelas telhas nas noites de chuva, - quem já morou em casa assim sabe o que estou dizendo e quem nunca experimentou não sabe a delícia que perdeu.
Uma noite, estávamos a beira do curral, onde ficávamos conversando. A menor cismou de perguntar porque tinha todas aquelas luzes no céu. Na Via Láctea - corrigiu meu filho maior, chamando a irmã de burra. Na falta do que inventar disse a eles que o céu era muito grande, infinito, mais do que nossos olhos juntos, ao mesmo tempo, podiam ver. E todos que tinham a alma pura, os honestos, todos que viveram seus amores finitos e infinitos, todas as famílias, iriam lá, se reunir. Mas, como era muito vasto e escuro, Deus, que amava a todos, precisava iluminar os caminhos e para isso usava candeeiros. E que eu os amava tanto, que um dia andaríamos por lá, juntos. Iluminados pelo candeeiro de estrelas