"Eu fiz minha caminhada. Quando cheguei no carro, abri os vidros para o mormaço sair. Assim que entrei, chegaram dois menores primeiro e anunciaram o assalto. Até fiquei surpreso, porque eram duas crianças, praticamente. Aí, já veio outro por trás, de maior, e meteu a arma na minha cabeça". O relato é de Rafael Ribeiro, de 33 anos, vítima de roubo a carro no bairro de Jardim de Alah, orla de Salvador.
O caso se soma a milhares de notificações semelhantes registradas na Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). Dados consolidados do primeiro semestre de 2015 apontam que, entre janeiro e junho deste ano, 3.365 veículos foram roubados na capital baiana, uma média de 18 por dia, um a cada 1h20. Dentre os bairros com maior concentração de registros estão Itapuã (466), Tancredo Neves (354), Boca do Rio (341), Pau da Lima (313), Brotas (311) e São Caetano (300).
Se forem somados aos roubos os casos de furtos de veículos - quando não há violência e ameaça contra a vítima -, o número de crimes registrados sobe para 4.236. Analisando separadamente, a SSP-BA contabiliza 871 furtos de carros e motos de janeiro a junho deste ano, em Salvador. O bairro do Bonfim lidera o número de registros, com 130 casos. Em seguida vêm Itapuã (96), Tancredo Neves (92), Liberdade (85) e Brotas (78).
Em todo o ano de 2014, foram 6.371 roubos a veículos, uma média de 17 por dia, um em cada 1h25. Dentre os bairros em que os crimes foram mais recorrentes estão Itapuã (832), Tancredo Neves (713), Brotas (568), Boca do Rio (562) e Liberdade (544). Em relação aos furtos, o ano de 2014 registrou 1.749 casos. O bairro do Bonfim liderou, com 246 registros. Em seguida veio Itapuã (234), Tancredo Neves (218), Liberdade (191) e Pau da Lima (160).
Comparando o primeiro semestre de 2015 com o mesmo período do ano passado, o roubo de veículos apresentou um acréscimo de 6,5%, saltando de 3.159 para 3.365.
'Não desejo para ninguém'
Rafael Ribeiro, de 32 anos, que foi roubado no bairro do Jardim de Alah, foi encontrado pelo G1na Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), na manhã de quinta-feira (3). Ainda assustado, aguardava a liberação do carro, que foi abandonado e localizado pela polícia na Avenida Jorge Amado, na Boca do Rio, poucos minutos após o crime. O roubo ocorreu por volta das 7h40.
"É um negócio que não desejo para ninguém, ter uma arma apontada na cabeça", lembra. Mesmo tendo recuperado o veículo, disse que sofreu um prejuízo estimado em R$ 7 mil. Foram levados pelos infratores um celular, uma corrente de ouro, um aparelho sonoro e até a cadeirinha de bebê de um dos filhos. "Mais importante é a vida", reflete.
Sentado à espera da liberação do carro, se surpreendeu ao encontrar um amigo, que chegava igualmente assustado ao prédio da DRFRV. Era Damião Travassos, de 34 anos. Também vítima de roubo a carro, chegava à unidade para obter a liberação do veículo, do mesmo modo abandonado pro criminosos na Avenida Jorge Amado, no bairro da Boca do Rio.
"Estava caminhando na Avenida Paralela, na região do Monumento Luís Eduardo Magalhães. Fui para o carro, que estava no estacionamento. Aí, três indivíduos armados anunciaram o assalto. Foi às 19h. Estacionamento cheio com bastante movimentação", detalha sobre o crime ocorrido no dia 26 de agosto. Diferentemente do caso de Rafael, o carro só foi encontrado dois dias depois. "E eu só fui comunicado ontem [quarta]", diz.
Atuação das quadrilhas
Dermeval Amoedo, titular da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), detalha que, assim como ocorreu nos casos de Rafael e Damião, 62% dos carros roubados em Salvador são recuperados pela polícia.
"São recuperados, porque eles [bandidos ou infratores] roubam o carro para cometer outros crimes. Tem acontecido muito: eles pegam um carro para assaltar um restaurante, pega um carro para assaltar um banco, para fazer um sequestro-relâmpago. Semana passada [no Cabula], por exemplo, roubaram um carro e usaram para pegar 15 celulares num ponto de ônibus. Depois, largaram o carro", exemplifica.
Amoedo afirma que o número de roubos e furtos de veículos é alto em todo o Brasil, e ressalta que a polícia tem promovido uma série de prisões. Para ele, o grande problema no combate ao crime está no âmbito judiciário. "Nós temos aqui uma média, só da Polícia Civil, de quase 30 prisões por mês. Juntando a Polícia Militar, chega a 80 por mês. Os maiores receptadores de veículos da Bahia nós prendemos e estão [quase] todos na rua por força da lei. Nós temos o 'Carioca', que é um dos maiores ladrões de carro, que está preso até hoje, mas nós temos outros que nós prendemos aqui com carro roubado e estão soltos", afirma.
O titular da DRFRV pondera que, apesar da maioria dos carros roubados serem recuperados, parte é alvo de quadrilhas que promovem o desmanche e a revenda das peças. Em Salvador, destaca que as quadrilhas costumam atuar na Avenida Suburbana.
"Eles se travestem de comerciantes de peças, ferro-velho, sucata. Na verdade, eles escodem as peças [roubadas] em determinados lugares e colocam aquelas peças [legais] que não podem ser identificadas. É uma maneira de burlar a fiscalização. Alguém [um cliente] chega, por exemplo, e pede uma peça. Ele [o dono do espaço] diz para voltar amanhã. Aí, ele [o comerciante] encomenda ao ladrão. Normalmente, funciona assim", detalha o esquema.
Segundo Amoedo, um dos principais receptadores da capital tem como apelido "Carioca". Ele foi preso durante uma operação na Avenida Suburbana há quatro meses. "Os receptadores são os grande vilões, porque sem receptação não tem ladrão. Para receptador, tem que ser dobrada a pena. Senão, a gente vai ficar enxugando gelo", critica o fato de ser um crime afiançavel no país.
Sobre os bairros onde os crimes são mais recorrentes, com base nos dados da SSP-BA elencados acima, Dermeval Amoedo explica que Itapuã e Brotas são localidades com variadas rotas de fuga, algumas que levam, inclusive, à BR-324 e à região metropolitana.
Sobre as características da vítimas de carro, aponta pessoas que se colocam em posição de fragilidade. "Normalmente, [os bandidos] escolhem as vítimas mais frágeis. Inclusive, há muito roubo de apenas um bandido. Então, observam fragilidades. Não estou dizendo que a vítima é culpada, mas que facilita. Na maioria dos casos, nós vemos vítimas dentro do carro namorando, batendo papo, penteando o cabelo, mexendo no whatsapp", revela.
'Não reaja'
Neste ano, foram registrados três casos de latrocínio - que é roubo seguido de morte -, em tentativas de assalto a carro. No dia 9 de julho, o publicitário Bau Menezes foi morto quando levava a namorada em casa no bairro de Santo Agostinho.
No dia 1º de agosto, Felipe Rauta Cabral, de 25 anos, foi morto na Rua Alberto Fiuza, no Imbuí, após abordagem de dois homens. No dia 29 de agosto, Mariana Oliveira Teles, de 22 anos, foi assassinada no bairro do Costa Azul, quando chegava de carro para visitar o namorado.
"Tivemos nos últimos tempos três casos de repercussão, mas isso é minoria", destaca. Em caso de roubo a mão armada, o delegado orienta que a vítima nunca reaja. "Tem seu trabalho, seu suor, mas a vida não se paga. Em momento algum reaja. O bandido muitas vezes está drogado e não tem nada a perder. Não reaja e deixe com a polícia", aconselha.
FONTE: Do G1 BA