Não sei quem foi que cunhou a expressão, mas que é genial, é: dublê de rico. Fisguei-a pelas mídias sociais da vida. Não de maneira aleatória: alguém a aplicou para definir a indefinível – ou indefinida – classe social feirense que aspira a ser rica, mas à qual – óbvio! – falta o essencial: o numerário.
São, portanto, genericamente, dublês de rico. Propagandeiam,
alardeiam, propalam e até recorrem a uma ostentação fugaz, mas, no fundo, não
fogem à condição de dublês.
O símbolo mais ostensivo dos dublês de rico é, obviamente, o
carrão possante. De preferência, caminhonete, dessas graúdas, capazes de
desbravar picadas.
Quase sempre, o veículo não está quitado e nem sempre saem da
Feira de Santana. Primeiro porque os dublês não dispõem de propriedades rurais;
segundo – e mais importante! – porque não é brincadeira bancar o custo do
combustível. Mas o impacto da caminhonete possante junto à tribo dos dublês não
é negligenciável.
Nos bares da moda – preferencialmente, os que servem picanha,
vinagrete e feijão tropeiro –, o dublê de rico realiza-se, chegando em velocidade
reduzida, examinando os semblantes pelas mesas.
Quem o vê, julga-o procurando alguma feição conhecida. Engano:
no fundo, quer é que o vejam, sobretudo, para glamourizar sua entrée no
ambiente.
Braços afastados do tronco, passos largos, os marmanjos lembram
os caubóis dos velhos filmes de Western.
A diferença é que, aqueles, entravam com suas Colt 45 na cintura, reluzentes. O pobre dublê de rico, coitado, não
pode adentrar o ambiente com sua caminhonete. Mas, mesmo assim, sacode a chave
do carro, reafirmando sua importância.
Abancados – a mesa tem, sempre, que oferecer ampla visão do
entorno, em posição central –, costumam esmerar-se na cordialidade com o
garçom. Afinal, precisam pagar de habitués
da casa.
A mesura – vá lá, empatia – se sujeita a uma regra rígida: é
necessário condescendência, um ar esnobe que nem sempre o dublê de rico
feirense – meio matuto, muito grosseiro – sustenta.
O auge da encenação, porém, acontece quando chega o cardápio.
Mãos sôfregas e olhos ávidos examinam a lista de opções, numa gulodice
concupiscente. Vem, então, o pedido – após as intermináveis consultas de praxe
–, que, sonoro, reverbera junto às mesas próximas e distantes.
No meio tempo, suco e refrigerante para quem não bebe. Cerveja
para os adeptos da cervejinha. Os mais ousados não titubeiam em requisitar
uísque, que entornam com ostensiva ostentação.
Que dizer, então, quando os pratos são servidos? Cessa o
interminável desfilar de vantagens – viagens, propriedades, amizades
importantes – e prevalece o mastigar ruidoso, as garfadas glutonas, o incentivo
incessante – “pega aí, pega aí” – para os convivas em torno.
Entre uma deglutida e nova garfada, as inevitáveis
comparações com pratos similares, noutros restaurantes. Afinal, a ostentação
nunca cessa.
Finda a refeição, devorada a sobremesa e degustado o café,
vem, por fim, a conta. Quando a mesa é ampla, surgem as inevitáveis piadas
sobre quem vai pagar, a generosidade fingida, o acerto no cartão (alguns
tentam, até conseguir, com vários cartões), o comprovante impresso que vai
repousar na carteira.
Nessas ocasiões – em instantes fugazes –, alguns deixam
escapar uma expressão de contrariedade ou preocupação. Nada, porém, que as
inescapáveis gargalhadas não dissimulem.
A sociologia do dublê de rico em mesa de bar... é coisa que rende até tratado acadêmico robusto, dissertação ou tese, com conceitos abstratos e metodologia intrincada. Mas, por enquanto, a coisa tem curso apenas no folclore das mesas de botequim, nas resenhas das redes sociais insociáveis, mas que, em momentos pontuais, reluz com expressões como dublê de rico...