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Brasil

Quase 90% dos mortos por policiais em 2023 eram negros, diz estudo

07 de Novembro de 2024 | 12h 53
Quase 90% dos mortos por policiais em 2023 eram negros, diz estudo
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Publicado nesta quinta-feira (7), um estudo feito pela Rede de Observatórios da Segurança mostra que 4.025 pessoas foram mortas por policiais, no Brasil, em 2023. Em 3.169 desses casos, foram disponibilizados os dados de raça e cor: 2.782 das vítimas eram pessoas negras, o que representa 87,8%.

De acordo com a Agência Brasil, os dados do boletim Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão, que está na quinta edição, foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) em nove estados. Em todos, o padrão é de uma proporção muito alta de pessoas negras mortas por intervenção do Estado: Amazonas (92,6%), Bahia (94,6%), Ceará (88,7%), Maranhão (80%), Pará (91,7%), Pernambuco (95,7%), Piauí (74,1%), Rio de Janeiro (86,9%) e São Paulo (66,3%).

Silvia Ramos, cientista social e coordenadora da Rede, avalia que os números são “escandalosos” e reforçam um problema estrutural do país: o racismo que atravessa diferentes áreas, como educação, saúde, mercado de trabalho, mas que tem sua face mais crítica na segurança pública.

Ela explica que o perfil do suspeito policial é fortalecido, dentro das corporações. “O policial aprende que deve tratar diferente um jovem branco vestido de terno na cidade e um jovem negro de bermuda e chinelo em uma favela. A questão é: 99,9% dos jovens negros das favelas e periferias estão de bermuda e chinelo. E todos passam a ser vistos como perigosos e como possíveis alvos que a polícia, se precisar, pode matar”, frisa.

Das nove unidades federativas citadas, a Bahia é a que tem a polícia mais letal, com 1.702 mortes. Este, dentre todos os estados monitorados, foi o segundo maior número já registrado desde 2019. “O que a gente vê, na Bahia, é uma escalada. Desde que a Rede começou a monitorar o estado, houve um aumento de 161% nas mortes. De 2019 a 2023, aconteceu o seguinte dentro da polícia baiana: em vez de coibir o uso da força letal, houve incentivo. Pode ter certeza, não é só porque os criminosos estão confrontando mais a polícia. É porque tem uma polícia cuja ação letal foi liberada”, analisa a cientista social.

Depois, aparecem o Rio de Janeiro (871), o Pará (530), São Paulo (510), o Ceará (147), Pernambuco (117), o Maranhão (62), o Amazonas (59) e o Piauí (27). “Se os policiais matam muito, recebem congratulações dos comandantes e incentivos institucionais, a tendência é que tipo de ação violenta seja cada vez mais incentivada”, observa.

Juventude Ainda conforme a Agência Brasil, a pesquisa também destaca que a juventude é a parcela da população mais vitimada pela polícia, sobretudo na faixa etária entre 18 e 29 anos. Em relação a isso, o Ceará aparece como exemplo negativo. Isto porque, no estado, esse grupo representa 69,4% do total de mortos.

O trabalho mostra, também, que ainda mais grave é o dado que indica que, em todos os estados analisados, 243 das vítimas eram crianças e adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos.

Particularidades regionaisOs dados, diz a Agência Brasil, mostram, no entanto, que alguns estados apresentaram redução na letalidade policial. No Amazonas, por exemplo, houve queda de 40,4% e mudança na distribuição territorial das vítimas: a maioria das mortes foi no interior do estado.

No Maranhão, no Piauí e no Rio de Janeiro também foi registrada diminuição da letalidade em relação a 2022: respectivamente, 32,6%, 30,8% e 34,5%.

No Ceará e no Pará, a queda do índice de mortes por intervenção do Estado foi mais discreta. No primeiro, a redução foi de 3,3%. No segundo, de 16%. O número de vítimas negras, porém, aumentou 27% no Ceará e 13,7% no Pará.

Na Bahia, há uma crescente exponencial, com registro de três vítimas negras por dia, em 2023. O número de vítimas aumentou 16,1%. Pernambuco foi o estado que registrou o maior aumento no número de mortos, com 28,6% mais casos que em 2022. São Paulo quebrou o histórico de redução e aumentou em 21,7% os óbitos nas ações da polícia.

Dados ausentesSegundo a Agência Brasil, esta foi a primeira vez, desde 2021, quando passou a integrar o estudo, que o Maranhão forneceu dados de raça e cor de vítimas da letalidade policial. Entretanto, de maneira incompleta: 5 a cada 7 vítimas não tiveram o perfil racial reconhecido, isto é, a informação estava presente em apenas 32,3% dos casos.

O Ceará teve uma leve melhora, porém 63,9% das vítimas ainda não têm raça e cor reconhecidas. No Amazonas, esses são 54,2% dos casos. No Pará, os não informados representam 52,3%.

No total, 856 vítimas não possuem registros de raça e cor nos nove estados. Os organizadores do estudo entendem que os governos precisam ser transparentes, incluindo esses dados em 100% dos casos, a fim de que a análise da realidade seja mais qualificada. Assim, afirmam, o Poder Público poderá direcionar esforços para uma sociedade mais segura para todos.

Secretarias de segurança À Agência Brasil, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) disse que tem "investido na qualificação dos agentes e em equipamentos tecnológicos que legitimam as ações de segurança, como o uso de 1.600 câmeras corporais (bodycams) por agentes. Além disso, foram adquiridos para as polícias Militar e Civil armamentos de incapacitação neuromuscular, visando a contenção sem risco de lesões graves".

O órgão informou, também, que políticas de inclusão social, como as nove Usinas da Paz, complexo multifuncional estadual com serviços gratuitos de promoção da cidadania e de combate à violência, vêm sendo implementadas. A Segup atribui a isto a redução de 15,89% nas Mortes por Intervenção de Agentes do Estado (Miae), de janeiro a dezembro de 2023, na comparação com o mesmo período de 2022.

A Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (SSP-RJ), por sua vez, afirmou que se baseia nas estatísticas criminais oficiais produzidas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). E citou a categoria Letalidade Violenta, em que houve redução de 15% no acumulado e de 16% no último mês, em comparação com os mesmos períodos de 2023.

A categoria, contudo, junta em um mesmo grupo tipos de violência distintos, como homicídios dolosos, latrocínios (roubos seguidos de morte), lesões corporais seguidas de morte e mortes por intervenção de agentes do Estado. Além disso, a SSP-RJ afirmou que "desconhece a metodologia utilizada na pesquisa e a possibilidade de rastreabilidade dos dados", salientando que "as mortes de criminosos em confronto aconteceram em decorrência de agressões praticadas contra agentes do Estado, que atuam visando a captura e a responsabilização dos mesmos" e que a "instituição reforça que as ações priorizam sempre a preservação de vidas".

Já a Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) destacou que "as mortes em decorrência de intervenção policial são resultado da reação de suspeitos à ação da polícia". O órgão assegurou que todos os casos do tipo são investigados com rigor pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, Ministério Público (MP) e Poder Judiciário (PJ).

A SSP-SP, detalha a Agência Brasil, disse investir "continuamente na capacitação do efetivo, aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em políticas públicas".

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) afirmou ter compromisso em "reduzir estigmas e a vulnerabilidade contra pessoas negras" e ressaltou que dialoga com a Secretaria de Igualdade Racial (Seir), a fim de articular ações de combate à discriminação.

A pasta também declarou tratar "todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência", informando que, em breve, lançará uma nova tecnologia para cruzar dados estratégicos dos inquéritos policiais e levantamentos da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), assim como o perfil das vítimas de crimes. A Pasta garantiu, ainda, que os profissionais da segurança pública participam de formações iniciais e continuadas para o atendimento humanizado às pessoas negras e demais grupos vulneráveis.

Os governos da Bahia e de Pernambuco não responderam à reportagem da Agência Brasil, até o fechamento da matéria.


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