Depois da luz
estonteante e do sol escaldante da primavera-verão, vem a noite, com um sopro
quase úmido. Por instantes, desperta uma efêmera sensação de conforto. Já não
há o calor indescritÃvel. Vê-se um silencioso fiapo de lua no céu. Mas que já
vai se afastando, mergulhando em direção ao oeste remoto, com suas colinas
suaves, bem-comportadas, imersas na escuridão.
As noites silenciosas
sempre favorecem a sensação de conexão com o Universo. Mesmo quando a lua é avara
e as estrelas desfalecem com a iluminação urbana. Mas tudo dura uns poucos
instantes – mágicos – e depois se desfaz.
Afinal, há a audição. Há
o ronco do motor da moto, os pneus dos automóveis deslizando sobre o
calçamento, o farfalhar das copas das árvores açuladas pelo vento quente, uma
cantoria remota, indistinguÃvel, latidos, conversas de pedestres, o renitente discurso
do bêbado estacionado na esquina da noite de sábado, pois é noite de sábado.
Sim, é sábado, mas uma
ponta de melancolia teima em antecipar as sensações da noite de domingo.
Esparsos canhões de luz, um pórtico profusamente iluminado, um telão com sua propaganda
colorida, música animada, nada disso traz um ar de sábado à noite à noite de
sábado.
Imaginar férias, praias,
viagens, confraternizações de final de ano, encontros e reencontros talvez
injete ânimo a esta noite de sábado. Funciona pouco porque o futuro está mais Ã
frente. E há, no caminho, esta fatÃdica noite de sábado. Talvez seja o cansaço
do dia de calor. Pode ser. Deve ser.
O jeito é registrar as
impressões, enfaixá-las com palavras, encaixotá-las em frases curtas, precisas,
coerentes. É até possÃvel. Mas sempre ficam de fora – noves fora – boa parte das
sensações, o tumulto dos sentimentos. É do jogo da escrita.
Por fim, algum ânimo. O
bêbado aprumou-se e foi embora. Sempre discursando, enfático. Bem-aventurados
os bêbados, pois são deles as noites de sábado!