Não sei bem o porquê,
mas nas manhãs e tardes incandescentes da Feira de Santana lembro de O
Estrangeiro, romance de estreia do escritor franco-argelino Albert Camus.
Nele, onipresente, está a descrição da Argel – a capital argelina é o ambiente
da obra – abrasadora, férvida, escaldante. Tipo a Feira de Santana dos dias
atuais.
Mersault, a personagem
principal de O Estrangeiro, cogita se não foram o calor e a luminosidade
que o levaram a assassinar um árabe, durante uma caminhada na praia. O livro explora
o absurdo da vida, sua ausência de sentido. Daà o assassinato gratuito e suas
justificativas banais.
Pelas ruas, não sei se
os feirenses – e os brasileiros, em grande medida – filosofam sobre o absurdo da
vida. Mas, sobre o calor absurdo, incessante, com certeza filosofam. Ou, antes,
praguejam, porque a desesperadora sensação térmica bloqueia qualquer
raciocÃnio, sobretudo os mais elaborados.
Há três semanas –
descontando uma trégua curta, semana passada – as temperaturas bordejam e até
ultrapassam os 40 graus na Princesa do Sertão. Pelo menos é a sensação térmica
que assa quem, desafortunado, enfrenta o sol ao meio-dia ou no começo da tarde.
O pior é que, para desespero coletivo, o verão nem chegou ainda, como todo
mundo comenta.
Mas, mesmo assim, cenários
cinematográficos descortinam-se todos os dias. Como não enxergar um quê de
sétima arte às margens do empoeirado e escaldante Anel de Contorno? Como não intuir
ficção no horizonte que se dilui sob ondas de calor? Como não recordar uma
pelÃcula qualquer vendo as ruas desertas de passantes ao meio-dia? Que dizer,
então, do céu ora azul, ora esbranquiçado, feito lâmina de aço, no começo da
tarde?
E o verão nem começou
ainda, é bom lembrar. Anos de El Niño costumam ser escaldantes, sempre
foi assim. Mas os desarranjos climáticos – aà já é cogitação de leigo – podem
estar tornando tudo muito pior. Mais à frente as hipóteses cogitadas pelos
cientistas serão confirmadas ou não.
Por enquanto, o melhor é seguir
as recomendações que sempre aparecem no noticiário para quem vai se aventurar
pelas ruas, sob o sol. Pena que não se dedica a mesma energia para explicar
que, talvez, o calor desolador seja companhia definitiva daqui para a frente.
Afinal, as mudanças climáticas estão aÃ, embora sobrem negacionistas aloprados
tentando refutá-las.