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César Oliveira

Minutos de silêncio

César Oliveira - 15 de Março de 2021 | 08h 39
Minutos de silêncio
Há um enorme silêncio nesse domingo, como se a cidade estivesse em exílio de seus ruídos incessantes, sem o vai e vem de costume, e de repente ficasse tão deserta que escutamos até a voz de um vizinho gritando no andar de baixo. Sim, vizinhos tem voz, é bom lembrar, já que não andamos escutando ninguém.
 
A campanhia toca. É uma moça que vem trazer uma frigideira de maturi. Eu e ela, prevenidos, usamos máscaras. Sinal dos tempos.
Ela me diz: a doutora Iracema que mandou trazer pro senhor.
Agradeço, sabendo que o domingo será melhor, pois, a vizinha, além do maturi, botou fama na cidade com o vatapá- que adoro- e o bobó de camarão, que não arrisco, desde que descobri uma alergia tardia, ao dito cujo.
 
Da janela vejo que os flamboyants da Getúlio já tingem de fogo o céu que nos cobre, e o vermelho exuberante diz que a vida continua bonita, com seus delicados milagres, apesar de toda ameaça. Um ou outro motoqueiro quebra a monotonia da rua e uma família aproveita para andar de bicicleta com os dois filhos. Até os micos das mangueiras em frente ainda não apareceram certamente obedecendo a ordem de ficar em casa.
 
Bem cedo fui ao hospital dar alta a um paciente e parei na banca –obrigatória- de seu Osvaldo, na Getúlio, para comprar os jornais- cada vez mais escassos- e as revistas da Turma da Monica, para meu sobrinho Antonio. A banca tem cada vez menos impressos e os impressos cada vez menos páginas, e assim vamos testemunhando um mundo que se encerra para o nascimento de outro. Toda ruína, tem um parto.
 
Os jornais são quase uma cópia de informações dos outros dias, os mesmos destaques, a mesma falta de empatia do presidente, as previsões em metamorfose do ministro da saúde sobre as vacinas, os opositores do isolamento social, e as dores e os dramas familiares que vão se acumulando e às vezes se tornam manchete, e não só, estatística. Ainda que tantos já tenham uma história própria para contar.
 
Leio que tivemos a pior semana desde que começou a pandemia, e que o número de mortos foi um triste recorde, mas que mesmo assim há grandes festas clandestinas em todo país.
 
Nesses tempos de tormentos o dia passa em longos minutos, sem barulho. São todos, minutos de silêncio.


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