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César Oliveira - Crônicas

60 anos

César Oliveira - 23 de Janeiro de 2021 | 22h 35
60 anos
Vou fazer 60 anos, ganhar uma vaga privilegiada no estacionamento, direito de furar fila, e para os radicais,  já merecer cuidado paliativo em caso de doença grave. Imagino, na última noite, que dormirei um jovem lutando por tudo que precisa e acordarei com os privilégios que a lei me concede, inclusive, indulto por dizer qualquer coisa que deseje, e ser protegido de agressões violentas. Não é pouca coisa no mundo atual em que vivemos de filas, isolamentos, intolerâncias e individualismo.
 
Ao que parece trocarei o fazer pelo feito e terei de dormir sobre os louros das vitórias que supostamente já tive , pois, daqui para a frente, já não serei mais essa carta toda no baralho das opções. Dizem os sabidos que trocarei a criação pela memória. Há um mês de cruzar esse meridiano do tempo, em plena Era de Aquário ( seja lá o que isso quiser dizer) fico pensando qual lembrança me guiará pelo labirinto, em que vitória – que não tenha sido uma vitória de Pirro- poderei me escorar, fincar os pés e achar que valeu a pena.
 
No balanço parcial acho que fui um bom filho, até aqui, com pai e mãe. Não usei o santo nome deles em vão, não desperdicei sua arcaica lavoura de me darem régua e chances, não os deixei. No mais, no inventário dessa banda vivida há, como sempre, miséria e glória. Há o que me redime e o que salga minha terra, pois, esse é o caminho da humanidade. Assim, também, me tem sido, nessa extraordinária experiência de viver. Fui do bem, até aqui; não desejei mal a quase ninguém; e deve ter feito umas duas coisas boas pensando mais no mundo que em mim, o que deve dar algum desconto nas penalidades lá do juízo final.
 
Nem árvores que plantei, nem palavras, nem os vinhos, ou os melhores minutos do mundo, são  nosso fio no labirinto. O que atemoriza e lança êxtase ao coração são nossos filhos. Por isso, incerto do que posso fazer por eles agora que escolhem como gente grande, lembro de uma noite que minha filha disse que era a última menina que o pai contava história para dormir, no colégio; e que meu filho disse que eu não precisava deixar meu barbeador para ele, pois, já seria dele mesmo quando eu morresse, como no ciclo do Rei Leão.
 
Não sei se um dia minha filha contará a história do barquinho medroso, ou da casa sonolenta, aos seus filhos, mas espero que lembre sempre do que ela foi, e do que fomos, para não se perder. Meu filho, infelizmente não sei rugir, mas espero que saiba que você, mi hijo, é meu legado. E, é mesmo, seu, o barbeador.
 
É toda certeza que preciso levar para os 60 anos.

 

 
 
 


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