Tribuna Feirense

  • Facebook
  • Twiiter
  • 55 75 99801 5659
  • Feira de Santana, quinta, 18 de abril de 2024

Cultura

Escritor baiano Wesley Correia lança seu quarto livro de poesias

Ísis Moraes - 09 de Março de 2020 | 15h 17
Escritor baiano Wesley Correia lança seu quarto livro de poesias
Foto: José Simões Tognasca

Na próxima quinta-feira (12), a partir das 19 horas, no espaço cultural Casa da Mãe, localizado no Rio Vermelho, em Salvador, o escritor baiano Wesley Correia lança seu quarto livro de poesias. Intitulado laboratório de incertezas, a coletânea editada pela Malê é composta de uma seleção feita pelo autor, a partir de poemas publicados de 2006 a 2019. O livro traz ainda poemas inéditos, que também exploram a linguagem, para tratar de temas sensíveis e do próprio fazer poético.

Transcorridos pouco mais de 20 anos da publicação de uma crônica no jornal A Tarde, evento responsável por sua incursão na literatura, com apenas 17 anos, o autor diz que se entrega ao desafio de observar o seu tempo duplamente, tanto porque esse é um exercício constante do fazer poético, quanto pela necessidade de retornar ao que produziu até aqui. “Grande parte dos meus poemas versam sobre o fazer poético, sobre o ofício de Poeta e sobre as estranhezas do processo criativo. Tudo no poema é a linguagem que o atravessa em sentido abstrato, daí o recurso à metalinguagem como conceito e como ação potente que verte a própria Poesia”, explica, enfatizando ser o que considera um dos aspectos elementares da coletânea.

Outra constante na literatura de Wesley Correia é o que ele chama de defesa de um mundo menos desigual, muito embora sua produção esteja para além da militância política. “Evidente que tal dimensão não me escapa, posto que os meus poemas têm uma certa intenção de desestabilizar pensamentos mais conservadores, a partir da proposição de um olhar que respeite as diferentes maneiras de ser e estar no mundo. Meus versos podem ser amorosos, existencialistas, contemplativos e, com efeito, serão sempre versos escritos por um homem negro, em cuja vida operou-se uma mobilidade socioeconômica que lhe deu acesso a determinados espaços de prestígio, mas que tem consciência de que essa não é a expectativa para a grande maioria dos homens negros brasileiros, para os quais restam o subemprego, a fetichização dos seus corpos, a humilhação e a violência de toda espécie”, pondera.

O escritor explica que os títulos são apresentados em ordem decrescente, dos mais recentes aos mais antigos, começando pelo laboratório de incertezas, que reúne 15 poemas. Em seguida, Íntimo Vesúvio, Deus é Negro e Pausa para um beijo. E ressalta que cada um dos capítulos é introduzido por vozes poéticas que lhe são caras, a exemplo de Lívia Natália, Edimilson de Almeida Pereira, Carlos Assumpção e Gilberto Gil. “Esses textos não necessariamente sintetizam o 'espírito' das seções às quais inauguram, mas, de algum modo, dialogam com elas: de fato, amo aproximar outros textos ao meu, curto evocar outras fontes; escrevo porque, antes, sou leitor. E, assim sendo, tenho comigo o desejo de apresentar às pessoas as coisas que me tocam de modo especial. Os poemas escolhidos como epígrafes afetam a minha imaginação, promovem belezas em meu espírito angustiado, e isso é algo incrível enquanto experiência existencial”, detalha.

A obra traz como prefácio um poema de Luiz Gama, autor que Wesley Correia considera ser “um pensador brilhante do século XIX, com quem a história do Brasil tem uma dívida grande”. “Nesses tempos de constrangimento jurídico generalizado, saber que um homem negro, a quem o racismo não permitiu concluir o curso de Direito, foi capaz de libertar uma média de mil pessoas escravizadas é algo inspirador e que pode acender a chama nos corações desalentados”, complementa.

O autor também comemora o fato de estar lançando o novo livro junto a uma editora cujo compromisso primordial é com a literatura de autoria negra. “Diz muito o fato de que, em um país de maioria negra como o nosso, os escritores negros conhecidos por grande parte dos leitores ainda sejam Lima Barreto e Machado de Assis (que muitos nem sabem que é negro). Eis a razão do meu reconhecimento quanto à atuação dessa editora, que tem sido capaz de dar visibilidade e garantir publicidade à diversidade, através da literatura”, comenta.

OUTROS OLHARES – Para o poeta e dramaturgo Mailson Furtado, laboratório de incertezas é “um grito de existência tão necessário a todos nós, neste hoje, pintado num tom nostálgico e simbólico a nos envolver”. A jornalista e poeta Kátia Borges considera a obra “um trabalho especialmente representativo e maduro tanto na consistência temática e no forte lirismo, quanto na seriedade com que Wesley Correia encara o ofício poético”.

Na opinião de Divanize Carbonieri, escritora e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o livro é uma espécie de memorial, no qual se divisa “uma voz poética firme e madura”, que desliza, com maestria, por versos, ritmos e estrofes. “É uma poesia do afeto que se afirma nas conexões entre pais, filhas, ancestrais, orixás. Tal redesenho da linhagem parece ser uma poderosa contraposição ao apagamento genealógico e cultural que a escravização causou aos negros trazidos para as Américas. Interligando-se nessa teia afetiva e espiritual, os poemas de Wesley Correia funcionam como rizomas, espalhando-se por superfícies e atravessando camadas cada vez mais profundas, em busca de superar o abismo entre o passado e o presente que foi imposto a esses grupos. Esse ‘laboratório de incertezas' produz, na realidade, certezas da continuidade e da dignificação de toda uma coletividade”, define.

Segundo Cleberton Santos, poeta e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia  (Ifba), “existencial e social”, a poesia de Wesley Correia “mescla os anseios e revoltas do nosso tempo histórico e das vertigens de cada leitor”. No seu entendimento, o escritor, “retendo o 'fôlego das palavras', segue pelas estradas intensas da alma. Habitante de abismos, sabe que não está sozinho. Seu instrumento poético está sempre (re)afinado pelo diapasão de um Deus Negro que habita em todos nós. Sentir e pensar cada verso para além de sua própria voz, eis o convite, e assim encontrar nossas vozes que ressoam em cada incerteza poética disfarçada de conselho: ‘Se queiram bem,/ minhas filhas,/ para que vosso bem/ quebrante o espírito/ de quem não o tem’”, destaca.

Laboratório de incertezas é a oportunidade de muitos leitores encontrarem poemas de edições já esgotadas em uma única obra, revisada pelo autor. A programação do evento inclui recital de poesia, conduzido pela escritora Rita Santana; apresentação musical, com o cantor e compositor Gabriel Póvoas; e sessão de autógrafos. A entrada é gratuita e o livro será vendido a R$ 36,00.

SOBRE O AUTOR – Natural de Cruz das Almas, Wesley Correia tem diversos textos publicados em livros e jornais especializados, dentro e fora do Brasil. Também é autor de Pausa Para Um Beijo e Outros Poemas (2006); Deus é Negro (2013); e Íntimo Vesúvio (2017). Atualmente, é professor do Ifba, onde ministra aulas na Pós-Graduação em  Estudos Étnicos e  Raciais. Seus  poemas foram traduzidos para o inglês, espanhol e romeno.



Cultura LEIA TAMBÉM

Charge da Semana

Charge do Borega

As mais lidas hoje