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Saúde

Cerca de 70% dos pacientes atendidos pelos Caps de Feira tem depressão

Daniela Oliveira - 21 de Fevereiro de 2020 | 16h 38
Cerca de 70% dos pacientes atendidos pelos Caps de Feira tem depressão
Foto: Raylle Ketlly/ Secom

Casos de depressão têm crescido em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), somente no Brasil, aproximadamente, 11,5 milhões de pessoas sofrem com a doença. Isso significa que cerca de 6% da população tem depressão, o que faz com que esta seja a maior taxa da América Latina e a quinta maior do mundo.

O Ministério da Saúde (MS) aponta que o número de atendimentos ambulatoriais e internações, no Sistema Único de Saúde (SUS), relacionado à depressão cresceram 52%, entre os anos de 2015 e 2018. Na faixa etária de 15 a 29 anos, o percentual é ainda maior: 115% procuraram por atendimento. O órgão acredita que os índices podem estar relacionados a uma maior demanda por tratamento, mas não descarta que, de fato, o número de casos tenha crescido.

Em Feira de Santana, segundo a coordenadora de Saúde Mental do município, Robervânia Cunha, entre os anos de 2018 e 2019, esse crescimento também foi observado. “Registramos um aumento de casos de pessoas com transtornos mentais. O índice chegou a 17,7%. A maioria com diagnóstico de depressão e transtorno de ansiedade. Em 2019, 47 jovens procuraram os serviços especializados oferecidos pelo município. Nesse total, também estão inseridos adolescentes e crianças, que foram atendidos no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi). 26 usuários do serviço apresentam quadros de transtorno de ansiedade”, informa.

A gestora ressalta ainda que, atualmente, há 35.494 cadastrados na Rede de Saúde Mental. Robervânia Cunha explica que muitas outras doenças mentais começam com a depressão. “Ela vai desencadeando outros transtornos. Cerca de 70 a 75% dos casos atendidos, nos diversos Caps, são de depressão”, explana.

ATENDIMENTO PELO SUS – Em Feira de Santana, o atendimento é disponibilizado nos Centros de Atenção Psicossocial, por demanda espontânea, ou no consultório de psiquiatria situado no Centro de Saúde Especializado (CSE) Dr. Leone Coelho Leda. “Temos uma rede municipal, formada pelos Caps, que foi criada para oferecer tratamento a pessoas com transtornos mentais severos e persistentes. No entanto, a depressão, hoje em dia, também se apresenta como um problema grave, especialmente quando não tratada desde o início. Além dessas unidades, também temos um ambulatório de psiquiatria, que funciona no CSE e está localizado ao lado do Feira Tênis Clube”, diz a coordenadora, explicando que a pessoa pode procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) de seu bairro, para encaminhamento ao serviço.

O município conta com cinco Caps, sendo três para adultos com mais de 18 anos, um para atendimento infantil (até os 17 anos) e um com foco em usuários de álcool e drogas ilícitas. “Não oferecemos apenas tratamento medicamentoso aos portadores dos diversos transtornos, mas também uma abordagem multiprofissional, que envolve trabalho em grupo, piscinas terapêuticas e terapia familiar, porque também é importante acompanhar as famílias. Uma escuta qualificada é realizada pelo profissional da unidade e, após isso, é traçado um programa terapêutico. O paciente é, então, encaminhado ao psiquiatra, ao psicólogo e inserido em oficinas ou grupos”, ressalta.

DIFICULDADE DE ATENDIMENTO – De acordo com Robervânia Cunha, Feira de Santana foi um dos municípios pioneiros na instalação dos Centros de Atenção Psicossocial, porém, apesar desse avanço, o serviço não consegue atender a grande demanda. “Temos atendimento com psiquiatra diariamente, mas, em virtude do grande número de usuários, ele acaba se tornando pequeno”, avalia.

A gestora diz ainda que o número de médicos especializados na área é baixo, além de o ambulatório do Hospital Especializado Lopes Rodrigues (HELR) ter sido fechado, o que aumentou consideravelmente a procura pelos Caps. “Temos uma equipe multidisciplinar. Somos 170 profissionais, hoje. E esse número é pequeno, devido ao grande número de pessoas matriculadas. São quase 35.500, mas temos cobertura de 100% de psiquiatras. Em dezembro, ficamos com um déficit, porque quatro funcionários pediram demissão, por motivos pessoais, mas já estão sendo contratados os substitutos”, enfatiza.

PACIENTES AGRESSIVOS OU EM SURTO – No caso de pacientes em surto e agressivos, o atendimento deve ser feito no Hospital Lopes Rodrigues, desde que não cadastrados em nenhum Caps. “Se forem matriculados, devem ser encaminhados à unidade onde fazem tratamento. Se necessário, após o período de observação, serão destinados ao Caps III Dr. João Carlos Lopes Cavalcante”, orienta Robervânia Cunha, esclarecendo ainda que, se preciso, o paciente permanece internado no Lopes Rodrigues, caso esteja colocando a sua própria vida ou a vida de terceiros em risco. Lembra, no entanto, que não é mais possível manter pacientes permanentemente ingressados no hospital, como acontecia no passado.

CAPS INFANTIL – A depressão tem sido detectada em pessoas cada vez mais jovens. E, em Feira de Santana, para atender crianças e adolescentes (até os 17 anos) com o problema, há o Caps Infantil. A coordenadora da unidade, Fernanda Botto, enfatiza que a ocorrência de depressão entre adolescentes cresceu mais de 30%, em seis meses. “Atualmente, temos 5 mil pacientes cadastrados. No momento, não posso precisar quantas, desse total, estão com depressão, mas, nos últimos seis meses, o percentual de novos casos chegou a 33%. Dentre os diagnosticados com a doença ou com suspeita, 55% tinha até 11 anos e 45% tinha de 12 a 17 anos”, observa.

Assim como os Caps que atendem adultos, o infantil também recebe pacientes por demanda espontânea, porém alguns casos são encaminhados por escolas ou unidades de saúde. “Os pais observam as crianças muito chorosas, introspectivas e relatam que, na escola, também não se relacionam muito bem com as pessoas. Então, são trazidas para cá”, explica.

Fernanda Botto pontua que há casos de crianças e adolescentes com ideias suicidas. “As condutas são avaliadas pelo médico. Normalmente, casos de tentativa de suicídio são tratados com terapia, medicamentos e atividades terapêuticas, às quais atribuo um maior resultado, porque fazem com que esses jovens se abram e conversem mais. Isto porque as terapias são estimuladas”, esclarece.

SINAIS DE ALERTA – De acordo com o psicólogo e psicanalista Carlos Henrique Kruschewsky, são muitos os fatores que influenciam nos casos precoces de depressão. “Essa é uma questão bem complexa. Muitas coisas desencadeiam o processo de adoecimento dessas crianças e adolescentes que se inserem no que chamamos de Geração Z, isto é, pessoas nascidas entre 1990 e o início de 2010. Uma marca dessa geração é a dificuldade de lidar com as frustrações. Isso, aliado à ideia de que é uma geração que nutre muitos medos, forma um ciclo bastante adoecedor”, alerta.

Segundo Carlos Kruschewsky, “a geração anterior, chamada de Geração Y ou Geração Millenium (que compreende os nascidos de 1980 até 1995), precisava passar em um vestibular, saber inglês ou espanhol. E, caso se dedicasse bastante, poderia passar em um concurso público. Nós, os mileniuns, aprendemos isso com os nossos pais. Daí um casamento estável, uma casa, dois filhos, um cachorro... Mas, ao longo do tempo, a juventude assistiu à falência dos casamentos parentais, sofreu a dificuldade de ingressar em uma boa universidade e, posteriormente, de ingressar no mercado de trabalho. Hoje, o amor, para a nova geração, é um grande risco... Foge-se dele, como se se evitasse uma doença terminal. Os laços afetivos foram substituídos por conexões online e os amigos por seguidores, nas redes sociais”, pontua.

O psicólogo diz que, “para além da vida social, o diploma já não é suficiente; necessita-se de Pós-Graduação, Mestrado, Doutorado, PhD” e que, “apesar de tudo isso, não se tem garantia nenhuma”. Segundo ele, “saber inglês também não é suficiente; é preciso saber espanhol, francês, alemão, mandarim”, constata.

Carlos Henrique Kruschewsky aponta alguns fatores que devem chamar a atenção dos pais. “São vários os alertas. Isolamento social, tristeza, comportamento de autopunição, culpa excessiva, vergonha, baixa autoestima e automutilação são os mais frequentes”, enumera.

Ele explica ainda que o tratamento é semelhante ao aplicado aos adultos: psicoterapia e, em alguns casos, atendimento psiquiátrico. “Mas é preciso levar em conta que existem profissionais especialistas em todas as fases do desenvolvimento humano”, destaca.

CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA – Por meio do número 188, o Centro de Valorização da Vida (CVV) funciona como um serviço de apoio emocional, em todo o país. De acordo com Paulo Souza, um dos voluntários que atuam em Feira de Santana, são cerca de 8 mil ligações, diariamente, no Brasil, com a atuação de 3 mil voluntários, em todos os estados e no Distrito Federal.

Segundo ele, a pessoa procura o CVV por não ter, muitas vezes, com quem desabafar. Não há restrições a respeito de qual assunto tratar, além de não haver um perfil específico. E o serviço funciona 24 horas. “Respeitamos a todos. Qualquer pessoa pode nos ligar e será acolhido. Falamos com pessoas de todas as idades. Não há necessidade da outra pessoa se identificar ou dar qualquer dado”, ressalta.

Para os voluntários, é exigida uma idade mínima de 18 anos e os interessados passam por um treinamento. “O voluntário pode exercer qualquer atividade profissional. Não há necessidade de ter formação na área de psiquiatria ou psicologia, pois não fazemos acompanhamento e tratamento. Isto é função da equipe multidisciplinar. Somos apenas aqueles amigos provisórios, um apoio quando a outra pessoa não tem com quem falar. Passamos por um treinamento inicial e constante, para que estejamos aptos a acolher quem nos procura, de maneira sigilosa, respeitosa, sem aconselhamentos nem direcionamentos”, explica.

RELATO DE UMA PESSOA EM DEPRESSÃO – Há, aproximadamente, 25 anos, a professora Suzi Brito foi diagnóstica com quadro de depressão. “Sentia indisposição, não tinha vontade de fazer as atividades simples do dia a dia. Dormia muito. Tinha muito sono durante o dia. Mas, durante a noite, muita insônia, nervosismo. Chorava o tempo inteiro. Buscava, em mim, um motivo para aquela tristeza, para aquele choro e não encontrava. Na época, não estava passando por nenhum problema financeiro, nem familiar. Graças a Deus, estava tudo bem. Isso era algo que me deixava ainda mais triste, porque me culpava bastante e a culpa é algo muito forte, no depressivo. Cheguei a pesar 37 quilos, fiquei desnutrida, desidratada. Precisei de uma intervenção mais rigorosa, com tratamento venoso, porque estava a ponto de morrer”, conta, citando que, nessa época, procurou diversos médicos, sem sucesso, pois não identificaram o problema.

A docente ressalta que as pessoas precisam e devem procurar ajuda. “Sempre busquei ajuda. Fiz terapia, tratamento com psiquiatra, mas as medicações, naquele tempo, me dopavam muito e, na época, tinha dois filhos pequenos precisando de cuidados. Além disso, trabalhava. Fui retirando a medicação. Voltei a tomar remédios somente em julho do ano passado, porque tive um gatilho, uma situação difícil pela qual passei. Todo mundo passa por esses momentos, na vida, e eu precisei recorrer à medicação. Foi a melhor decisão”, conclui, afirmando que a prática de atividade física também a ajuda a se sentir melhor.

A professora lamenta que a depressão ainda seja vista com tanto preconceito, mas diz que encontrou apoio na família. “Não é fácil, mas dei sorte, porque tenho uma família que, mesmo conhecendo pouco a doença, me apoiou, que nunca me disse que era falta do que fazer, que era falta de Deus. Aliás, justamente por ter Deus é que estou aqui e os amigos também. É muito duro ouvir esse tipo de coisa”, lastima.

Suzi Brito manda um recado a quem está com depressão e ainda não procurou tratamento: “busque alguém da sua inteira confiança e diga: preciso de ajuda, as minhas ideias não estão concatenadas! Peça a essa pessoa para te levar a um profissional. E lembre-se: tem momentos que a medicação é necessária. É preciso coragem”, incentiva.



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