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César Oliveira - Crônicas

Desistências

César Oliveira - 26 de Outubro de 2019 | 16h 02
Desistências

   A grande desistência já está à margem do mundo

e os dementadores já espreitam as covardias e a queda

– anuncia o demônio, em suas falas de ordem-,

e o que resta, nos homens, não é mais que engano.

Não é mais que essa marcha trôpega e estúpida.

Não é mais que apascentar sua ridícula criatura,

de servidão arcaica, vitórias falsas, títulos inúteis.

Não é mais que a deslealdade e suas ruínas,

não é mais que as almas taciturnas, de tédio e sentido,

à sombria tarde do ocaso e do desespero.

 

Em todas as coisas feridas:

a pátria e seus porões,

a pátria e seus poderes,

-tudo que é terrível demais-,

a cumplicidade dos exploradores,

os abusadores da autoridade,

   e tudo que faz o esboço interminável da pátria.

O fruto maldito de toda escravidão,

e o exílio dos necessitados.

Deus, os limites das leis,

teu débil nome que os servos dizem em vão,

e a cisma que nos assombra,

dos inexplicáveis silêncios de Deus,

e sua cria, a quem tudo é permitido.

A fome de tudo,  e a fome,

primitiva, a fome, e só, que a fome não exige

nada mais que seu próprio horror.

  Os anunciadores da morte, e a banalidade de suas
  guerras, sem culpas e remorsos, sem sequer um silêncio.

Os corpos sem exigências de amor,

e tudo que não é perenidade.

O desabamento do pai e suas certezas de pai.

A cigarra nas folhas do capim,

e os jardins de cinza e venenos.

 

Em tudo, a mesma corrosão.

O motim de desavisados,

a liberdade de festim,

a mesma falta de razão,

a mesma língua incompreensível de homem a homem,

e dos antepassados, em seus leitos secos.

 

E tudo que nos desossa:

a vaidade, o poder, a indiferença;

o inferno da existência compartilhada;

a soberba, a ganância e seus cortiços de glórias;

e nenhuma verdade, nenhuma verdade inteira,

nenhuma verdade que lave os olhos no orvalho da manhã,

sem secá-lo.

 

Os amores de giz,

e todas as posses que sequer custam o nome,

ou a memória.

Os amantes que sem miséria ou glória,

resultam inúteis, 

   todas as incertezas de amar em dias tão frágeis,

   e a vida sem compaixão.

 

Os enfermos de poder,

os senhores infalíveis,

os que não hesitam meios,

fins,

nem mutilações.

Os que marcham para a morte, sem terem vivido

a sua hora de homem.

Os amigos que caíram.

As léguas de solidão dos cegos pelo rancor,

e a temerária ira dos traídos.

As dores de todas as vítimas,

imperecíveis.

 

E resta o açoite das palavras,

   todas as outras coisas vãs, 

  as rosas cálidas, de Outubro,

e a derradeira esperança,

de não aceitarmos viver em subterrâneos,

fracos e amedrontados,

para que a vida e seu canto bárbaro

ocupe o ermo inabitável

dos corações,

desfaça o escuro em avesso,

e debulhe a casca, o seco,

a nódoa,

que entranha a alma, feito poeira sobre o móvel,

às três da tarde.

 

E arranque, do chão, o outro,

Lave, das ruas, o estrume seco

do homem.

E acorde, em outra manhã,

dos dias à míngua.



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