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Cultura

Sales Barbosa: o lugar da memória feirense

Ísis Moraes - 18 de Setembro de 2019 | 16h 33
Sales Barbosa: o lugar da memória feirense
A professora e pesquisadora Cíntia Portugal, criadora do Sarau Sales Barbosa, evento que será realizado amanhã, no Mercado de Arte Popular. Foto: Divulgação

Ler as crônicas da professora Cíntia Portugal de Almeida sobre Feira de Santana nos transporta para um tempo que, fisicamente, não chegamos a vivenciar, mas que está gravado em nós, como memória ancestral e indelével. Afinal, é a nossa identidade cultural ali retratada. Aquilo que não nos faz sentir estrangeiros em nossa própria casa, ainda que ela não seja mais gloriosa e imponente, como outrora.

Desfigurada por um processo de modernização predatório, Feira de Santana não mais se apresenta, ante nossos olhos, com a beleza de seu casario eclético. Aqui e ali, um ou outro prédio antigo escondido entre a desordem comercial cotidiana. A feira livre que se foi e deixou suas cicatrizes espalhadas pelas ruas. As antigas referências afetivas que sucumbiram à concorrência industrializada...

Mas quem não se sente em casa, ao ler as histórias da Feira antiga?É como se, subitamente, a Padaria da Fé, com seus pães e doces inesquecíveis, voltasse a existir. Como se a Casa da Torre, de Oscar Tabaréu, ainda estivesse no mesmo lugar, encantando nossos olhares. Como se o casarão de Chico Pinto ainda nos alertasse sobre o que devemos temer, sobretudo, agora, nesses tempos tão sombrios. Tudo isso, hoje, é só memória. E memória só morre se não cultivada.

Esse é o exercício cotidiano da autora de Caminhando pela Cidade(Via Litterarum, 2013). Seu olharatento e suas reminiscências afetivas mapeiam um ponto nevrálgico de sua terra natal: a Rua Sales Barbosa, conhecida, no passado, como Rua do Meio. Antes, lugar de circulação e lazer dos pedestres. Hoje, uma verdadeira babel comercial, onde se encontra de tudo, até a memória esquecida.

Mas o interesse de Cíntia Portugal não é só pelo espaço físico, pelo “corpo torto” da via pública mais famosa da cidade. Mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), ela defendeu, em 2016, a dissertação O Poeta, a Rua e o Romantismo: a produção literária de Sales Barbosa.

A curiosidade de pesquisadora levou a também articulista do centenário Jornal Folha do Norte a resgatar a obra do homem que foi uma das personalidades mais importantes da Feira de Santana do século XIX. Literariamente, o poeta Sales Barbosa se enquadra no que chamamos, academicamente, de Romantismo. Engajado em causas sociais, também foi abolicionista, tendo chegado a filiar-se ao Clube do Cupim, uma sociedade secreta, criada em Recife (PE), em 1884, que tinha como lema único a libertação dos escravos, por todos os meios.

Nessa entrevista, Cíntia Portugal, que também é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana (IHGFS) e da Academia Feirense de Letras (AFL), onde ocupa a cadeira de nº 05, cujo patrono é o poeta Aloísio Resende, revela detalhes da vida e da obra de Sales Barbosa.

A autora também fala de suas memórias sobre a cidade, de seu trabalho de pesquisadora e externa suas preocupações com o presente e o futuro de Feira. Além de comentar a programação do Sarau Sales Barbosa, evento que coordena desde 2017 e cuja terceira edição será realizada nesta quinta-feira (19), das 14 h às 20h30, no Mercado de Arte Popular (MAP).

 

Você vem fazendo um relevante trabalho de resgate da memória da Feira de Santana antiga. Como surgiu esse interesse pela história da cidade?

Acho que surgiu quando comecei a ler. E fazer da cidade uma extensão da casa da minha avó, na Rua de Aurora, um mimo, a grande família feirense, na casa da vovó Sant’Anna. Fiz a leitura do chão de pedras irregulares, dos letreiros das lojas, do sabor do cesto de umbu sobre o tapete de flamboyants,da mágica do desaparecer na terça, do barulho delicioso do vendedor de taboca, do quebra-queixo da esquina da Igreja Senhor dos Passos, do caminhar pelas ruas largas, do sobe e desce pela Rua Recife, do perfume do café Tabajara, na Bernardino Bahia, a cena apaixonante do Romeu e Julieta nas esquinas, o anão de Ray-ban no estacionamento, a pose 3x4 no Lambe-lambe da Praça, a admiração pela beleza dos Patrimônios guardiões do tempo, o mergulho da mão no saco de feijão do Mercado Municipal. Experimentei a feira livre da Getúlio, hoje, com algumas pinceladas pelo Centro, as brincadeiras na Praça Dois de Julho, o subir e descer a Euterpe, além de tudo, caminhar à noite, despreocupadamente, confiante: eu estava em casa! Tudo isso tem uma dinâmica tão extraordinária quando você, sobretudo, é pequena, que te alça a uma categoria de exceção: eu sou a Maria Quitéria! Cantava com minhas avós o ABC do Lucas. Eu sou a cigana de Caculé, sem contar a Carmem Miranda, com o cesto de frutas na cabeça, pelo olhar de fora. De onde brotava tanta poesia... Vivi as marcas do cotidiano feirense, aguardando por um canto da cidade que abraçasse a nossa história e memória. E não vejo melhor lugar que a rua. Experimentemos a confortável sala de estar!

 

Você desenvolve um projeto sobre a Rua Sales Barbosa. Que significado tem essa via, que é um ponto nevrálgico de Feira, para você? Essa escolha também tem a ver com sua memória afetiva? O que destaca da Sales Barbosa antiga?

A pergunta da infância adormecida, nas idas e vindas pela Rua do Meio: quem é Sales Barbosa? Ele aparece, no cotidiano, visto e publicado nas Crônicas da Vida Feirense, do Jornal Folha do Norte, em sua edição de memórias, datada do início do século XX. Também no livro Memórias: Periódicos feirenses (1877-1888), organizado por Carlos Alberto Oliveira Brito e Arcênio José Oliveira (2007). É lembrado como Patrono da cadeira de número 33, da Academia Feirense de Letras (ano de fundação oficial: 1976; de registro em cartório: 1984). O poeta feirense viveu e vive através dos fios condutores de uma energia ligada à memória afetiva, à rua denominada por ele, que desperta, o sentir-se “em casa”. O “Meio” é acolhedor, ele guardou as marcas da história da cidade, o verso do chão, o viver feirense, o comércio mais antigo, os patrimônios materiais e imateriais, a memória afetiva, as pedras soltas do calçamento, as ruas de baixo e as de cima, o café, o pão, a prosa, a poesia do encontro. A Padaria da Fé traz a ideia do papel de pão com poesia, do filme Cyrano de Bergerac; o embrulho puxado pelo cordão do tempo. O “Meio”, a Rua Sales Barbosa, traz todo peso, toda leveza, toda amarração do local de encontro. Mas, antes de tudo, é uma decisão política: dar visibilidade à história e à cultura da cidade. Trata-se de patrimônios adormecidos: o tempo da Igreja dos Remédios, desde 1707; os 159 anos do poeta, lembrado apenas como uma referência: o nome de uma rua central, que abriga o comércio formal e o informal, a obstruir a via de acesso. Aqui se abre uma proposta para o espaço cultural, uma fonte viva do Romantismo feirense, que dialoga com a atualidade, no sentido de preservar a história, a memória, a identidade local.

 

Muitas pessoas não sabem quem foi Sales Barbosa. Gostaria que você falasse um pouco sobre ele, sobre o legado literário que deixou e como foi, para você, fazer essa descoberta. A partir de que se interessou pela biografia e pela obra do autor?

Eis o Francisco de Sales Barbosa (1862-1888), poeta do Romantismo, bem próximo de nós! Sua poesia retrata seu tempo de vida feirense. É o poeta da rua! Foi estudante do curso de Direito, abolicionista (o “Paraíba”, membro do Clube do Cupim), promotor público e jornalista. Nasceu na Rua Conde D’Eu, antiga Rua do Meio, Rua de baixo, hoje, Rua Marechal Deodoro, no sítio Alegria, atual Supermercado GBarbosa, na Vila Arraial de Sant’Anna da Feira (no tempo presente, cidade de Feira de Santana), estado da Bahia, Brasil. Filho do segundo casamento do tenente aposentado e comerciante João Zacarias Barbosa e da senhora Alexandrina de Moraes Barbosa, foi, no seu tempo, uma personalidade influente nos cenários cultural e político locais. Envolveu-se com a literatura francesa, alemã, brasileira, sertaneja. Foi cantador de glosa. Apropriou-se da poesia declamada e ouvida na praça. Fez do gênero um meio de manifestar suas lutas e paixões. Compartilhou do riso, da dor do cativo, dos sonhos de liberdade e justiça, do cenário sertanejo à moda francesa, perfumados pelos ventos dos becos. Jornalista engajado nas causas sociais, foi fundador e publicista de alguns periódicos da cidade, bem verdade, raros e dispersos. Salvador e Recife, à época, foram divulgadores de sua poesia. Entre um número e outro dos periódicos feirenses de meados do século XIX, aparecia o autor das Cavatinas (1885). Por meio de uma voz combativa, reflexiva, irônica, pôs em evidência os injustiçados, os cativos e o poder político. Dono de uma linguagem dinâmica, de marcas linguísticas características do português do século XIX, Sales Barbosa variava entre a leveza, o drama e o grotesco, dependendo da motivação e da dinâmica dos acontecimentos. Nas suas crônicas, circulavam os filósofos, os deuses, os mitos gregos, as personagens e citações bíblicas, os revolucionários franceses, os ingleses, os poetas estrangeiros e os nacionais, os motes, as glosas, as citações em latim, as odes. Tudo, cuidadosamente, retirado de um cotidiano das ruas e levado direto às salas de estar dos assinantes. A pesquisa vai afirmar que se trata de um poeta da terceira geração Romântica, uma achado para literatura feirense. A partir de estudos de teóricos da memória e da identidade, com base em estudos de fontes e periódicos, visualizamos o papel vivo do poeta romântico da Rua do Meio, na Rua Sales Barbosa, na voz não ouvida na praça, que faz eco no país da atualidade.Assim, com o estudo, buscamos resgatar o poeta e a produção do feirense Sales Barbosa.

 

Qual a importância da obra de Sales Barbosa, na cena literária feirense?

Talvez não seja pretensão dizer que Sales Barbosa, com Cavatinas, publicado em 1885, tenha nos apresentado um documento/monumento literário Romântico de valor significativo, para o Portal do Sertão. Não apenas por ser este um livro de poemas raro, para a Feira de Santana do século XIX, mas pela capacidade de sustentar, em seus versos, seu tempo, a sociedade feirense, suas leituras, a política, os romances, os lugares, bem como a sua fisionomia. A poesia ajuda na construção da história social, cultural e política da cidade. Passou muito tempo para “ouvirmos” os apelos do livro Cavatinas, de Francisco de Sales Barbosa, que nos remete ao seu tempo (imaginado por nós), à cultura da Feira de Santana do século XIX, aos instrumentos do Romantismo. Nos escritos amorosos, desenhos de cachos, costuras dos trajes, dos sonhos, dos laços, do toque das mãos enluvadas: a poesia e a prosa de caráter romântico debruçavam-se sobre o cenário do dia, no perfil ainda trêmulo do jovem protagonista, no roteiro breve de uma identidade que cai nas conversas cotidianas, nos cortes e recortes das lições de seu tempo, esbarrando na negligência da Escola Literária experimentada. Nas páginas do livro de Sales Barbosa, constam as marcas do seu modo de vida. Os poemas narrativos  trazem os costumes, a religião, a política, a escravidão e os possíveis amores. O cotidiano tecido por Arnold Hauser (1998), em História social da Arte e da Literatura, ao nos apresentar a confraria, o tempo de escrita, a medida das casacas sóbrias, os diálogos, o comportamento, o eu lírico, aproxima-nos do ser romântico. Uma irmandade exercitando os valores caros à vida, à humanidade: o relacionar-se, o sentir, o imaginar, o refletir sobre as ações do cotidiano, dos atos políticos. Não há como, simplesmente, ler os poemas sem ouvir os apelos do tempo de Cavatinas, sem perceber os tons, os ritmos, os intervalos que nos distanciam ou nos aproximam de seu tempo. Ou mesmo, como chamaria o filósofo moderno Martin Heidegger, em Ser e Tempo, sentir “seu chão” da existência. Nessas pausas, é onde se encontra o lugar delicado, circulam palavras, musicalidade e gritam as ironias, bem cultivadas, no terreno romântico. Preparemos o solo, os ouvidos contemporâneos, para acolher a consciência que pulsa em todo poeta de luta. E que a poesia possa emergir desse “chão”, da poesia monumento, da Rua do Meio, local onde Sales, até então, ficou como referência de lugar.

 

A Rua Sales Barbosa já foi uma via de circulação de pessoas, ponto de lazer da cidade antiga. Como vê seu estado atual?

É uma aorta obstruída. Não há fluxo, não enxergamos nem o céu, nem o chão. O Google Maps não acessa. Carecemos da história e da literatura, para sustentar o chão da “Feira”. Aqui, cabe pensar o céu do Romântico Sales Barbosa (1862-1888); a rua mais antiga de Feira de Santana; a antiga Praça Sapucaia; o único calçadão da cidade; a via que dá acesso aos escassos patrimônios ainda de pé e já tombados pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), que também resguarda seu entorno. Isso nos faz pensar também no Mercado de Arte Popular (1914-1915); na Praça da Bandeira; no Coreto da Praça Bernardino Bahia; no Lambe-lambe; na Avenida Senhor dos Passos; na Igreja Nossa Senhora dos Remédios (1707); na Praça Doutor Remédios Monteiro; na Escola Maria Quitéria; na Praça Froes da Mota, com seu coreto e casarão; na Rua Conselheiro Rui Barbosa... Ah, essa Rua do Meio! Dos raros patrimônios tombados. Tão caros quanto o Pelourinho! Arrastamos as correntes dos apagamentos da cena do nosso cotidiano feirense. Lembremos a boemia; a poesia declamada na rua; os castelos; as tabernas; os tropeiros; os armazéns; a fezinha; os banhos com rapé; o fechamento da rua, com cipó caboclo, nos escritos de Hugo Navarro! O Meio proibido, acordado por Milton Brito... Os termos atribuídos ao Meio: bagatela, mangue, mal visto. A música da radiola do tempo de Dasdores, que tocava: “eu não sou cachorro, não...” O Meio dos secos e molhados! No calçadão, o comércio pulsava, no corpo torto que atraiu os crânios da Piedade, para brindarem no Cassino de Oscar Tabaréu... A La Princesa, a Primavera Musical, a Le Bouton, a Casa das Rendas, a Imperatriz, a Chapeuzinho Vermelho, a Galeria Caribé, a Padaria da Fé, a Barbearia Sales, a Lupalina, a Mersan, o Café Bendengó, a Di Paula, as Confecções Guerra, a Jalves, a Ottan, a Nyl Mylle, as Casas de couro que beiram a Praça Froes da Mota... É uma via histórica, não há como negar. Ela provoca! O chão pede mais que ser, simplesmente, um calçadão.

 

De arquitetura eclética, formada por belos casarios, a Feira de Santana antiga quase não existe mais. Como vê a destruição do patrimônio arquitetônico da cidade? Sente saudades da cidade de sua infância?

A cidade de Feira de Santana acolheu o século XX com os olhos voltados para o progresso. Passou pelo tempo passado indiferente. Vibrou pelo processo de modernização, ao mesmo tempo em que foi aceitando o apagamento da importantíssima memória vivida, com a insustentável justificativa do entroncamento, atribuindo aos chegantes à mudança de cenário. A lista de apagamentos é imensa e isso é preocupante, revoltante. Quanto a sentir saudades, acho que não. Vivi poucas experiências, nas muitas fotografias. Contudo elas despertam a minha indignação pelo não vivido. Saudades, quiçá, das obras do casarão Froes da Mota e de outros patrimônios pelos quais circulo, caso tivessem desaparecido do meu cotidiano. Sempre que podia, dava um jeito de conferir se o belo presente feirense ainda estava de pé. Dos casarões históricos da rua, quase nada existe mais. No entanto, a Rua Sales Babosa está no Meio de importantes bens materiais tombados: o Mercado de Arte Popular, que tem tombamento provisório estadual, através de notificação assinada em 24 de novembro de 1994; o Coreto da Praça Bernardino Bahia, que tem tombamento estadual, concedido via Decreto nº 8.357/2002; a Igreja Nossa Senhora dos Remédios, que tem tombamento estadual, através do decreto nº. 9.986/2006; o Coreto da Praça Froes da Mota, tombado pelo Estado por meio do Decreto nº. 8.357/2002; o Casarão Froes da Mota, que tem tombamento estadual por meio do Decreto nº. 9.985/2006 e o prédio da Escola Maria Quitéria, que tem tombamento provisório, formalizado no processo nº 009/91. Todos esses equipamentos estão subutilizados e possuem pouca visitação, por parte de feirenses e turistas. Isso se deve ao desconhecimento de suas histórias e até de suas existências. O projeto do Memorial propõe a criação de um roteiro, pela rua, além de reviver a memória de poetas românticos feirenses e suas criações literárias, como é o caso de Sales Barbosa. Padre Ovídio Alves Boaventura, Filinto Bastos, Dr. Remédios Monteiro, Cristovão Barreto e Libânio de Moraes já chamavam a atenção do público para a história e a preservação dos patrimônios materiais localizados no entorno da Rua Sales Barbosa.

 

Você vem promovendo eventos de literatura e artes em torno desse tema. Em que consiste a ideia do Sarau Sales Barbosa?

Rememoramos o “Meio”, conversamos sobre a sua importância, para Feira de Santana, para a Bahia e o Brasil. Apresentamos o poeta e a poesia romântica feirense da terceira geração. Brindamos o local do encontro, com a arte e a literatura da cidade, seguindo a linha de pensamento do escritor Adeítalo Pinho, professor de literatura da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), acerca da memória: “(...) então, ela teria o poder de ludibriar a morte, fazendo com que o indivíduo, transformado em coletivo, pudesse sobreviver ao arbítrio do tempo” (2011, p. 22). De acordo com Stuart Hall, quanto à identidade cultural, o sujeito fala, sempre, a partir de uma posição histórica e cultural específica. Ele diz que há duas formas de refletir a identidade cultural: a primeira é aquela em que a comunidade busca resgatar a “verdade” sobre sua época na “unicidade”, uma história de uma cultura compartilhada, assim pensada numa representação; a segunda diz respeito à concepção de identidade cultural como possibilidade tanto de “tornar-se” quanto de vir a “ser”. Segundo o autor, isso não é a negação de que a identidade tenha passado, mas compreender que, ao resgatá-la, reivindicá-la, nós a reconstituímos. E, nesse sentido, o passado é transformado. Hall sugere que, mesmo construído por meio da diferença, a identidade não é fixa, e sim fluida. Divulgamos e contemplamos o passado através da Rua de poemas, pessoas e lugares, fundamentados em contextos sociais verdadeiros, genuínos, que a sociedade de Feira de Santana reconhece como traços identitários.   

 

A terceira edição do Sarau acontece no dia 19. Qual será a programação?

Já realizamos duas edições e, no dia 19 de setembro, realizaremos o III Sarau Sales Barbosa. O evento será realizado no Mercado de Arte Popular, das 14h às 20h30. Na programação, a poesia da Rua do Meio, de Sales Barbosa; o Romântico de Feira de Santana; o caminhar pela Rua do Meio; a história e a memória da cidade; as cenas do Memorial a Céu Aberto Sales Barbosa: o espaço cultural feirense, projeto que tem por objetivo tornar a Rua Sales Barbosa Patrimônio Imaterial, Material, Literário e Histórico-cultural de Feira de Santana. Com ele, temos dois propósitos: a criação de um Memorial ao ar livre e a fundação da Casa Sales Barbosa, sendo que ambos já estão em processo de registro. O Memorial seria o próprio calçadão da Sales Barbosa, local público destinado não apenas à exposição da vida e da obra do poeta, mas também a intervenções de novos artistas, de vários gêneros, sobretudo feirenses, todos apresentando suas produções e dialogando com os símbolos do Romantismo e sua época. Então, a partir dessas temáticas, o Sarau contará com apresentações de palestrantes, poetas e professores, além de exposições de artistas, apresentações musicais, de teatro e de cordel, poesia encenada e lançamentos de livros, de poetas da cidade.

 

A cidade tem prestigiado o evento? Como vê a relação dos feirenses com as artes e a cultura?

Acredito que melhorou muito. Uma presença aqui, outra acolá... Mas acontecendo, comemoremos. O descompromisso, o desinteresse pela cultura da cidade não é um fato novo. Por isso torna-se necessário experimentar, dinamizar o calçadão, o “Meio”, o local comercial, reservando o lugar de encontro, arte e lazer. Urge conhecer, para amar e preservar.

 

Além da Sales Barbosa, tem pesquisas ou projetos relacionados a outros locais de Feira?

Não. Acredito que o “Meio” pede atenção, pois também se justifica pelo viés educacional e turístico. Toda a rede escolar seria beneficiada com a criação do memorial e com as apresentações artísticas realizadas a céu aberto. Essa ação desperta um sentimento de pertencimento, nos feirenses, e, acima de tudo, auxilia, metodologicamente, os professores, no ensino de História, Língua Portuguesa e Artes. Afinal, somente se preserva e se ama aquilo que se conhece. Dentre as ações propostas por esse projeto, estão visitas guiadas para escolas e a realização de trabalhos interdisciplinares com os estudantes.

 

O que gostaria de legar à cidade, com esse trabalho de resgate de sua memória histórica?

O estudo persegue a inclusão da cidade de Feira de Santana nos debates mais acirrados da época. Assim como se pode, evidentemente, falar de Romantismo no interior baiano. Do mesmo modo, a pesquisa identifica outros autores, locais e culturas. Em suma, Sales Barbosa é capaz de fornecer pistas para o estudo do sistema literário feirense do final do século XIX. O caminhar pela cidade, a guarda amorosa e vigilante dos bens. O lugar da memória feirense.

 

Como se sente vivendo na Feira de Santana atual? Em que Feira gostaria de viver?

Aqui, uma feirense inconformada com falta de amor pela cidade, com a falta de cuidado com o nosso chão, com o desmazelo pela história vivida, patrimonial. Gostaria de viver em uma Feira orgulhosa de si, das suas raízes, do seu chão. O “Meio” deixa esse recado, inspirado no dito de Suassuna: “Não troco a minha puba pelo petit gateau de ninguém”.



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