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André Pomponet

O horror de Altamira em um vídeo de celular

André Pomponet - 30 de Julho de 2019 | 19h 20
O horror de Altamira em um vídeo de celular
Foto: Correio do Povo

No início da tarde de ontem (29) recebi um vídeo que, segundo quem compartilhava, foi feito na cadeia de Altamira, lá no Pará, durante o massacre que vitimou 57 presos, na manhã do mesmo dia. Chegou logo depois que o assunto ganhou as manchetes de todos os sites e telejornais do País. É difícil encontrar palavras que traduzam o horror que se desenrola em ínfimos 17 segundos.

Logo no começo é possível identificar o vozerio grosseiro, grave, típico dos espaços de confinamento. A câmera foca cinco cabeças dispostas junto a uma parede. É possível perceber que os decapitados são gente muito jovem. Um deles até exibe um corte da moda, estilo moicano, desses que a garotada adota com frequência.

“É nóis, é nóis”, berra alguém, talvez o próprio cinegrafista. Depois aparece uma mão fazendo um gesto de celebração ou de deboche. Mais uma cabeça é lançada sobre as demais: um barbudo, com o rosto ensanguentado. Agora, só ali, são seis infelizes decapitados. A contabilidade oficial apurou 16 cabeças cortadas.

Insatisfeito com a demonstração de selvageria, um dos presos puxa uma cabeças com o pé direito e faz uma manobra típica de jogador de futebol de várzea. Na mão, exibe um longo facão improvisado. Tudo indica que a arma foi forjada utilizando uma chapa de aço que, talvez, reforce as grades dos portões da própria prisão.

As cenas são chocantes. Mas, no circuito dos entreveros entre facções criminosas nas prisões, vem se tornando quase banal. Não basta eliminar o inimigo, tampouco trucidá-lo: é necessário ostentar selvageria, desdém absoluto pela vida e até pelo cadáver do rival eliminado.

Massacres do gênero estão se tornando rotina nas prisões do País. Em maio, morreram mais de 50 no Amazonas. E, nos dois anos anteriores, morreu mais gente no próprio Amazonas, em Rondônia, no Acre e no Rio Grande do Norte. Somados, são centenas de cadáveres só nos maiores conflitos. Tudo por conta das contendas entre facções que disputam as lucrativas rotas do tráfico de drogas no Norte do Brasil.

A barbárie não se limita às prisões: questionado sobre o massacre, o “mito” recomendou aos repórteres que indagassem, primeiro, as vítimas das vítimas do massacre sobre o que achavam. Depois, poderiam voltar para interpelá-lo. Diante dessa manifestação, alguém pode alimentar alguma expectativa positiva em relação a mudanças nesse cenário?

O encarceramento em massa e as péssimas condições do sistema prisional impulsionam o recrutamento de mão de obra barata pelas facções. Não se pretende atacar esses problemas: defendem-se mais prisões, leis mais duras, menos recursos e mais violência na repressão à criminalidade. Redução da pobreza e acesso a serviços públicos nem figuram nos discursos.

É impossível a receita não resultar em mais tragédias como a de ontem.



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