- Laranja madura na beira da estrada...
É antiga essa canção. Ouvi muito na minha infância já distante. Mas é ainda mais antiga: coisa dos anos 1950, talvez, porque na interpretação original o cantor tem vozeirão empostado, típico daqueles tempos que antecederam a Bossa Nova. Só que, hoje, caso algum cantor resolva recauchutá-la, ajustá-la ao ritmo de marchinha carnavalesca – o Carnaval começa semana que vem – tem chance boa de fazer sucesso.
Não só de laranjas e laranjais é feito o cenário político brasileiro no momento. Há também uma badalada goiabeira. Não é à toa que as metáforas frutíferas vêm explicando bem o Planalto Central do Brasil nesse turbulento 2019. Muitos se divertem à larga nas redes sociais – devolvendo as caneladas virtuais sofridas quando os chacareiros metafóricos estavam em ascensão – mas o cenário é muito preocupante.
Num dia, um agudo surto liberal leva à notícia da abolição das taxas de importação de derivados do leite; no outro recuam frente à avalanche protecionista do agronegócio; adiante, um desvario leva ao anúncio da mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém; depois, aparece gente dizendo que não é bem assim.
São dois polêmicos exemplos de como o Brasil marcha há cinquenta dias. Só a mais delirante crença profana pode levar alguém a deduzir que esse modus operandi pode dar certo.
Falta rumo, falta projeto, mas sobram culpados: a imprensa, a oposição, os comunistas, os ateus, os homossexuais, as lésbicas, os bolivarianos, os cientistas, os socialistas, os antipatriotas, os incréus e mais uma fauna tão variada que só a mente fervilhante de quem se fia nessas narrativas pode listar.
Quando o País vai voltar a gerar as oportunidades de trabalho necessárias para absorver milhões de desempregados? E as indispensáveis medidas para atenuar a pobreza e a miséria que cresceram a partir da crise legada pelo petismo? Que rumo se pretende dar à oferta de serviços essenciais como a saúde e a educação?
Tudo permanece no limbo.
Parcela expressiva do eleitorado votou com o fígado em 2018. Como forma de extravasar o ódio e a aversão ao petismo, optou-se pelo que havia de mais radicalmente contrário: ao invés de propostas, bravatas; ao invés de ideias, chavões; ao invés de um projeto, o revanchismo; ao invés do futuro, um angustiante mergulho no passado.
Mas, apesar de tudo, o Carnaval se aproxima. Os blocos de rua, certamente, capricharão nas marchinhas inspiradas no cenário político; faz tempo que a oferta de matéria-prima não era tão tragicamente farta...