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César Oliveira

O lado escuro da lua

César Oliveira - 21 de Janeiro de 2019 | 09h 22
O lado escuro da lua

Parece história da China, mas não é, ou melhor, é, mas é história verdadeira: eles pousaram no lado escuro da lua. Desde que os americanos botaram a bota de Armstrong lá, em 1969, dando um pequeno passo para o homem e um grande salto para a humanidade, que o mistério permanecia. Os chineses chegaram com toda banca nas bandas de São Jorge, enfrentando o dragão da escuridão e lançando luz sobre o desconhecido, afinal, sempre é mais difícil visitar o escuro que existe nos oceanos, no espaço, ou dentro de cada um.

Alguns escuros não podem ser desbravados por sondas, naves, às vezes, nem mesmo pelos divãs dos analistas. Na lua, ao menos, identificamos que só um lado é escuro, enquanto no humano nunca sabemos com certeza o tamanho do território colocado sob a sombra, e quem domina quem, ou pior, sequer reconhecemos que certos cômodos foram deixando de ser iluminados.

Nós somos meio instinto- herança da sobrevivência nas savanas-, meio raciocínio, efeito da evolução que, graças a Deus, entrou nas escolas, e que aconteceu graças ao fogo, o cozimento dos alimentos, com consequente desenvolvimento cerebral, embora, às vezes, tenhamos dúvidas.

Um outro elemento fundamental a sobrevivência, em quase todas as espécies, foi o agrupamento, o bando, que garante força, afeto, significado, e motivação, também, ao humano. Esse encadeamento de cuidados, de anteparos e reparações, entre os homo sapiens talvez seja a herança mais nobre passada do instinto para a consciência e que tem permanecido por milênios. O cuidar é uma especiaria que confere dignidade e engrandecimento a todos os passageiros dessa viagem- um dia finita- , da existência.

Algo, no entanto, está mudando. Há uma absurda perda da sensação de débito dos filhos com seus pais, que não deixa de ser um reflexo dessa noção moderna dominante de individualidade e isolamento, de narcisismo existencial. Criar um lado escuro que permita ocultar uma gratidão que seria obrigatória e um valor ético e moral que exige dedicação, esforço, abnegação e compreensão, para fechar o seu ciclo, liberta o indivíduo de suas amarras para que viva, apenas, suas egoístas escolhas.

Essa semana, uma adolescente disse-me, de forma brilhante, sem perceber, que os filhos de hoje não tem mais a tradição de cuidarem de seus pais. Isso me fez pensar que nós, pais, a partir de certo momento, estamos nos tornando estorvos, e nossa finitude não é mais uma perda, e, sim, um fato aceitável, às vezes, de forma muito passiva. O problema agrava-se porque a ciência avança cada vez mais em tornar os pais longevos.

Cuidei do meu pai, com devoção, até o fim - e sua falta é meu sal-, e cuido dos meus, desejando ter a vida inteira para exercer esse amor, convertido em amparos, mas entendo que em algum momento começamos a nos perder do bando e estamos indo para o lado escuro de nós. Talvez, seja o caso de pedirmos ajuda aos chineses que agora sabem o caminho de volta, antes que seja tarde demais.



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