Votei logo cedo no Assis Chateaubriand, no bairro Sobradinho. Apesar do horário, já havia filas extensas se formando. Contrariando a lógica, parece que a incorporação de mais tecnologia ao processo eleitoral tornou as coisas mais lentas. Precisei de três tentativas para que a máquina fizesse a leitura biométrica correta: caso bastasse aquela singela assinatura do passado, teria sido mais rápido. É visível, também, que o feirense médio tem pouco traquejo com a tecnologia, porque a demora na digitação dos números dos candidatos era grande.
Assim, as filas foram se formando, avançando lentamente, contorcendo-se quando faltava espaço para aquela organização em linha reta. Mas isso nem sequer configura novidade quando ocorrem, a cada quatro anos, as eleições gerais que selecionam gente para ocupar diversos cargos, de presidente da República a deputado estadual.
Muitos eleitores permaneciam cabisbaixos, espichando o olhar, a mente divagando, distante. Imaginei, a princípio, que talvez estivessem lamentando a demora, parte preciosa do domingo perdido com aquela aporrinhação de fila. Afinal, quem vai mais cedo busca, justamente, ficar livre logo para aproveitar melhor o dia.
Depois comecei a notar que havia um silêncio denso, incomum nos festivos processos eleitorais que acompanhei desde garoto, quando o Brasil se redemocratizava e havia uma esperança intensa de dias melhores. Mesmo depois, a cada eleição, renovavam-se esperanças, à medida que os protagonistas do poder iam mudando, trazendo novas promessas e expectativas.
Silêncio
Pelo chão estavam, como sempre, milhares de “santinhos” forrando calçadas e asfalto, como um tapete escorregadio. Às vezes, um vento mais forte levantava esses papeis multicoloridos, emprestando uma sensação alegre ao cenário. Mas o silêncio – e uma desconcertante discrição – prevaleciam. Tão efusivos nesses períodos, muitos feirenses atravessaram o domingo calados, taciturnos.
Vá lá que, quando a chamada “boca de urna” era permitida, havia muito mais vibração, mais ânimo. Mas isso se manteve mesmo nos pleitos posteriores, com gente defendendo seus candidatos, abordando efusivamente amigos e conhecidos. Isso ainda houve ontem, mas foi muito menos intenso. Não foram, portanto, apenas as mudanças nas regras eleitorais que tornaram o feirense mais contido.
À noite houve o tradicional espocar de fogos, as comemorações de praxe, o êxtase do vencedor. Mas o silêncio dos vencidos – e daqueles que estão inquietos com a quadra que se avizinha – foi muito mais contundente. É muito provável tenha sido o que deu a tônica do primeiro turno das eleições.
Durante todo o dia de ontem nuvens imensas, encardidas, cobriram o céu. O azul se insinuou muito timidamente. No crepúsculo não houve aquele tradicional espetáculo de luzes e cores porque o poente estava congestionado de nuvens. E a noite caiu abrupta, pesada, densa, angustiante. Luzes frágeis tentavam afastar a escuridão.
Ali começou uma torcida intensa, mas contida, para que uma outra noite, mais ameaçadora – metafórica, abissal, impregnada de maus presságios –, se dissipe mais adiante.