A crise econômica que os brasileiros – e feirenses – vêm enfrentando não deixa suas marcas apenas nas pessoas. É claro que a dimensão humana do drama tem mais apelo: quem pena com o desemprego e a compressão na renda enfrenta um cotidiano traumático, descartando tudo aquilo que não é essencial – sobretudo os pequenos confortos que tornam a vida menos áspera – e isso, indiscutivelmente, deixa sequelas, provoca choques, afeta a autoestima. Outros enfrentam realidade ainda pior, suprimindo sonhos e, muitas vezes, enfrentando o dia a dia sem o mínimo indispensável para a subsistência.
Isso é apenas uma das dimensões do drama da recessão. Ele possui outros recortes, às vezes muito mais visíveis. Um deles é o estado do patrimônio imobiliário. A observação, ampla, se estende às construções de toda natureza: desde os modestos casebres da periferia feirense às grandes empresas abalroadas pela crise, passando pelas residências de classe média e pelo comércio da cidade, incluindo-se aí aqueles do centro da cidade, mas, também, o dos bairros populares.
Não restam dúvidas de que a partir da crise a Feira de Santana se tornou mais feia: caiu a quantidade de imóveis bem conservados, com pintura recente e aspecto geral agradável; aumentou – e muito – o número de edificações inacabadas, que aguardam conclusão; obras públicas se arrastam e o que existe, não raramente, está malcuidado. O cenário – conforme apontado – é amplo, se estende por toda a cidade.
Note-se que a economia brasileira segue patinando. O noticiário sufocante que saudava a festejada retomada – frustrada e revisada para baixo desde já – definha, porque o impulso é muito menos vigoroso que aquilo que se supunha. Dessa forma, os novos investimentos devem retardar-se, assim como a oferta de emprego e, no vácuo dessa reversão de ânimos, iniciativas singelas como, até mesmo, a reforma de um imóvel.
Periferia
Na periferia feirense, até a primeira metade da década, a ampliação da área construída dos imóveis foi uma epidemia. Ergueram-se andares; construíram-se anexos, incorporaram-se cômodos novos às áreas já construídas. Muitos investiram em imóveis – comerciais ou residenciais – para alugar. Tudo caminhou bem até 2014, quando a crise eclodiu.
Hoje, o que mais se vê são obras paradas: blocos expostos, cômodos sem revestimento, paredes erguidas que aguardam cobertura. Quando sobra algum recurso, investe-se nalguma intervenção. Mas, na periferia, prevalecem as construções inacabadas, símbolos contundentes daquele soluço de prosperidade que se reverteu num infindável engasgo econômico.
Alguns, desgostosos, desistem: placas de “vende-se” pontuam, simbolizando a capitulação. O aspecto desagradável daquilo que aguarda finalização soma-se à infinidade de espaços comerciais fechados, muitos com as mesmas placas de “vende-se” e “aluga-se”, desgastadas pelo tempo. Dias, meses – e anos – de renúncia emprestam ar melancólico àquilo que já foi promissor.
Centro
No centro da cidade o cenário também é funesto. Algumas grandes empresas fecharam, galpões imensos permanecem ociosos, muitos espaços atrativos em áreas comerciais estão sem uso. Chuvas mancham paredes, pinturas descascam, placas e letreiros se desfazem sob a ação do tempo. É vivo – e doloroso – o contraste com os dias de prosperidade que tornavam lojas e salas disputadíssimo no centro da Feira de Santana.
Talvez só no começo da próxima década os espaços ociosos sejam totalmente reocupados. Isso se a interminável crise política se desfizer, o que permanece uma incógnita. É prazo muito longo para se gerar emprego, lucro para empresários, dinamismo para o conjunto da economia. Até lá, os imóveis sem uso continuarão atraindo olhares que combinam pesar com amargura.
De qualquer forma, ficará a lição para as próximas gerações: o custo de um espasmo artificial – de um soluço – na economia sempre é elevado. Caberá aos mais jovens, em grande medida, arcar com os custos da crise atual e, no longo prazo, viabilizar a árdua travessia em direção a um cenário econômico mais favorável. Por enquanto, o que se pode fazer é enxergar a crise atual sob seus múltiplos vieses. É pouco, mas é o que resta nesse momento de estagnação e desalento.