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André Pomponet

O drama de João

André Pomponet - 09 de Dezembro de 2016 | 09h 47
O drama de João

João é personagem fictício: criei-o agora, na aberturadesse texto, para ilustrar a temerária reforma da Previdência encaminhada para o Congresso Nacional essa semana. Não faz mal: João tem tantas características em comum com milhares de pessoas que, provavelmente, o leitor vai considerá-lo familiar, quase conhecido. Pracomeçar, João é feirense e, portanto, brasileiro; jovem: mal completou os 18 anos; é pardo, reside na periferia e frequenta a rede pública de educação.

João procura emprego: apesar da idade, ainda não concluiu o ensino médio; até aqui, só conseguiu alguns bicos, temporáriose precários, que lhe renderam alguns trocados para ajudar nas despesas domésticas. Os impactosda crise já lhe sãofamiliares: conhece muita gente que perdeu o trabalho modesto ao longo desses dois anos de intensas agruras econômicas.

Agora, João tem ouvido dizer quea Previdência vai sofrer mudanças. O que se fala é que pobre não vai mais ter direito à aposentadoria.

Num cálculo rápido, ele constatou que precisará trabalhar até 67 anos para conseguir se aposentar com aposentadoria integral: quase meio século de labuta. Isso num cenário otimista, se ele conseguir emprego imediatamente: apesar das dezenas de currículos despachados para diversas empresas, nada de convocação para entrevistas.

Desanimador é pensar que, ao longo desse meio século, João provavelmente vai trocar de emprego inúmeras vezes; nesses intervalos, deve ficar sem contribuir para a Previdência, retardando o sonhado descanso na velhice. Tudo indica que aposentadoria integral, para ele, não vai passar de utopia.

A luta de João, portanto, não vai ser para desfrutar de proventos integrais, mas para alcançar os 25 anos mínimos de contribuição. Calcula mentalmente e constata que, mesmo esse feito, vai ser difícil: em 47 anos, precisará de um quarto de século de contribuição. É muita coisanum País cujo mercado de trabalho é tão instável.

Afinal, João já se vê tentado a vender mídia pirata de músicas e filmes pelos bares da Feira de Santana; com sorte, pode se tornar um desses vendedores de quinquilharias importadas da China, com banquinha no centro da cidade; caso dê tudo errado, vai prestar pequenos serviços, esporadicamente, na condição de biscateiro. Nada disso é emprego formal, seguro, que garanta o recolhimentoda Previdência.

Desse jeito, João é forte candidato a se tornar, no futuro distante, um velho paupérrimo, à cata de pequenos biscates, caso a saúde permita. Sesobreviver– hipótese nem tão provável – poderá requerer benefício social, inferior ao ínfimo salário-mínimo, caso alcance os 70 anos. Mas tudo conspira para que João fique pelo caminho, morra antes.

Trabalhador informal, pobre, João não vai pagar plano de saúde. Terá que mendigar o atendimento da rede pública. Só que essa vai oferecer serviços cada vez mais precários, em função da PEC do teto de gastos, que ao longo de 20 anos vai promover um tremendo arrocho sobre a saúde pública.Um problema mais grave pode condená-lo à morte nalgum corredor de hospital, como já é rotina Brasil afora.

Com certeza João vai passar a vida dependendo de algum benefício social, como o Bolsa Família, que tende a ser enxugado, tornando-se privilégio dos apadrinhados dos políticos. Não se duvide que ele se veja forçado a fazer biscates para manter o parco rendimento, por força de alguma lei. Já existe algo do gênero tramitando na Câmara dos Deputados.

João ainda nãodescobriu, mas no início da vida viveu uma trégua rara nas agruras impostas ao mais pobres no Brasil: valorização do salário-mínimo, ampliação de benefícios sociais e investimentos em políticas sociais – mesmo que manquitolas – que beneficiaram os mais pobres, como as cotas e os programas de habitação.

Essa trégua, como se percebe, findou. A austeridade e os sacrifícios serão impostos exclusivamenteaos mais pobres.Mas isso João nunca vai saber. Está aí a imprensa dizendo o contrário, o dia todo. Restará a ele a infindável labuta imposta à patuleia desde a Colônia.

Trabalha, João, praajudar o Brasil a se desenvolver !!!



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