Vejo
no noticiário que Machado de Assis – o maior dos escritores brasileiros – está
ingressando numa nova onda de reconhecimento lá fora. Por aqui, depois que lhe
grudaram o rótulo de chato, ultrapassado e antiquado, o autor de “Memórias
Póstumas de Brás Cubas” vive meio esquecido. Anos atrás, surgiu até a ideia de
arranjar quem “reescrevesse” sua obra para torná-lo mais palatável. Coisa de
País cuja população é pouco afeita à leitura.
Em
meados de 2019 adquiri um alentado exemplar com uma seleção de seus melhores
contos. Na fila do caixa pensei que poderia estar jogando dinheiro fora: “Esses
contos e todos os demais estão disponíveis na Internet. Besteira comprar este
livro. Melhor escolher outro título, cujo conteúdo não está disponível”. Venci
a hesitação e segui em frente.
Durante
meses o exemplar ficou à espera de leitura. Veio a pandemia da Covid-19, o
isolamento e as noites longas, cheias de expectativas. Resgatei o livro do
armário e, sob o silêncio quase inquebrável dos fins de noite, mergulhei nos 50
contos e nas centenas de personagens que povoam aquela seleta.
Redescobrir
o “Bruxo do Cosme Velho”, como o apelidaram, foi uma experiência fascinante. É
evidente que o leitor maduro faz uma leitura mais qualificada que a do
adolescente que lê preocupado só com a nota da prova, como li pela primeira vez.
Na maturidade a leitura é lenta, repleta de encantamentos a cada página, a cada
parágrafo, a cada frase, até.
Machado
de Assis, porém, representou algo mais que uma agradável – ou fascinante –
experiência literária. É que aquele encadeamento de palavras, o ritmo leve imposto
às frases, a refinada arquitetura dos parágrafos, páginas e páginas que absorvem
o leitor, tudo aquilo se harmoniza de maneira magistral, resultando numa obra
de fôlego.
À
medida que lia, sentia uma paz crescente, uma serenidade que só encontrei na
obra de outro brasileiro genial: o baiano João Gilberto. Ouvinte ávido de João
Gilberto, sentia em sua canções essa placidez. Sentir a mesma paz nas frases de
Machado de Assis, no entanto, foi experiência ímpar, até pela própria natureza mais
cerebral da literatura.
Quem
escreve captura o leitor, subordina-o ao seu ritmo. Mas isso é coisa de gênio.
Machado de Assis é um deles, indiscutivelmente. Seu ritmo é um ritmo lento,
pausado, até desperta em que lê a sensação de estar no pacato Rio de Janeiro de
meados do século XIX. Diferente do ritmo frenético do Germinal de Émile Zola ou
do perturbador Dostoiévski de Crime e Castigo. Diferente, mas genial como
ambos.
Imagino que, com mais
Machado de Assis nas escolas, o Brasil não estaria hoje flertando com o abismo,
vulnerável ao caquético civismo-militar que se pretende implantar em nossas
pobres escolas. Enfim, o ideal seria menos coturno, mais Machado de Assis.
Anos
atrás fiz um texto sobre o hábito de apostar aqui na Feira de Santana. Creio
que foi em 2017, por aí. Antes, portanto, da ampla liberação dos sites de
apostas esportivas aqui no Brasil. O texto abordava desde as loterias
regulamentadas até o jogo do bicho, passando pelas rifas – aquelas de papel –
que muitos, em aperto financeiro, anunciavam entre amigos. Não faz tanto tempo,
mas como a realidade mudou desde então!
No
governo de Michel Temer (MDB-SP) – o “mandatário de Tietê” – veio o “libera
geral” das apostas esportivas, sem regulamentação. Só no fim do ano passado
aprovou-se uma lei em Brasília, inclusive prevendo a arrecadação de impostos.
Houve pouca resistência: aqueles que defendem a pauta de costumes – com desassombro
e estridência – se calaram.
Deus,
pátria, família, vícios, costumes, pecado, nada foi invocado para barrar a
aprovação. Pelo contrário: alguns, mais afoitos, cobravam pressa, afinal as bets não podem esperar. Já àquela altura
as apostas rolavam soltas – sobretudo no ambiente esportivo – com ampla
publicidade na imprensa. Poucas vozes se ergueram questionando o estímulo à
jogatina desenfreada.
Atento,
noto que de forma avassaladora – é bom frisar a expressão – o jogo
incorporou-se ao cotidiano do brasileiro médio. Apostar, antes, era algo que
enfrentava restrições. Certos jogos eram proibidos, era necessário deslocar-se
até uma lotérica ou um ponto de jogo do bicho, etc.
Hoje,
não. Basta um celular e dinheiro à disposição que o acesso é fácil e quase
irrestrito. Só não perde muito dinheiro quem não se dispõe a jogar. O jogo é
instantâneo, imediato, na velocidade alucinante da Internet. Tornou-se quase
onipresente. Aqui ou ali, ouço frases, comentários e palpites sobre jogo. O
vício, pelo visto, contamina principalmente gente muito jovem.
Começam
a surgir, esporadicamente, notícias sobre o impacto do vício no dia-a-dia.
Dívidas, falências, cobranças, constrangimentos e ameaças fazem parte da rotina
de quem joga. Problemas de saúde, sobretudo mentais, e até suicídio figuram
entre as consequências. Mas, por enquanto, isso é questão secundária. Os
brasileiros estão inebriados pela jogatina, os olhos brilham com os anúncios
luminosos que prometem grandes emoções e muito dinheiro.
Lá
atrás – após décadas de muita luta – houve um freio no vício do cigarro. Com a
bebida também, embora com menos intensidade. O vício da vez, no Brasil, é o
jogo. Mas, por enquanto, ninguém diz nada, nem cobra nada dos governos.
Para alegria das bets.
Revólveres
calibres 22 e 32, espingardas, às vezes até pistolas artesanais. Não faltavam armas
enferrujadas. Os mais equipados iam de revólveres calibre 38 e escopetas
calibre 12. Fuzis e metralhadoras era raros. Quando apareciam, era em assaltos
a bancos ou a carros-fortes. Até meados dos anos 1990, era mais ou menos esse o
arsenal da bandidagem na Bahia. Não faltava armamento, mas pouco sofisticado.
Em
centenas de coberturas jornalísticas que fiz, era esse o armamento mencionado
nas matérias, fotografados para ilustrar as reportagens. Rifles e fuzis
sofisticados restringiam-se às metrópoles como São Paulo ou, principalmente, o
Rio de Janeiro. Mesmo em Salvador armamento pesado era mais comum entre
assaltantes de banco. O tráfico de entorpecentes recorria aos revólveres, às
escopetas.
De
lá para cá, o crime foi se armando como nunca se viu. Na virada do século,
surgiram as facções no Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador.
Houve quem achasse que esses grupos ficariam restritos aos cárceres, não alcançariam
as ruas. Engano: na segunda metade da década de 2000, começaram a imprimir sua
marca no tráfico, nos assaltos, consolidando a criminalidade como poder paralelo.
Organizados,
os criminosos estruturaram-se em moldes empresariais. O acesso ampliado às
drogas e aos armamentos, importados clandestinamente, combinado ao controle
territorial sobre bolsões de pobreza, tornaram as facções no que elas são hoje
Brasil afora. Temperando tudo, a corrupção, em suas múltiplas dimensões.
Para
entornar de vez o caldo da violência, veio o “liberou geral” do acesso às armas
no desgoverno de Jair Bolsonaro, o “mito”. Com dinheiro no bolso, qualquer um
podia adquirir muitas armas. Os famigerados CAC – Colecionadores, Atiradores
Desportistas e Caçadores – tornaram-se o canal mais corriqueiro de acesso às
armas pelo crime organizado.
Vira
e mexe pipoca a notícia de que um desses CAC repassou o arsenal para uma facção
qualquer. O modus operandi é justamente
esse: o “laranja” é o intermediário na jogada, adquirindo as armas que, em
seguida, são repassadas para os verdadeiros compradores. A fiscalização
deficiente, também no desgoverno do “mito”, somou-se ao descalabro.
Sensatamente,
o governo Lula restringiu o acesso a armamentos no começo do seu governo. Mas a
“bancada da bala” – encorpada no Congresso Nacional – move-se agora para tentar
revogar muitas restrições. Em suma, descontente com toda essa matança, a turma
quer mais.
Talvez seja só uma manobra
para desviar a atenção das enchentes no Rio Grande do Sul, que os colocou na
defensiva. Mas podem, também, estar aproveitando o momento para “passar a
boiada”. Ou as duas coisas. O fato é que a manobra cheira a pólvora. E morte.
O
desastre climático no Rio Grande do Sul colocou a extrema-direita,
momentaneamente, na defensiva. Jair Bolsonaro, o “mito”, por exemplo, lançou
algumas de suas costumeiras atrocidades – nem é preciso dizer que, sequer, se
solidarizou com as vítimas – e, depois, resolveu ficar doentinho, internando-se num dos hospitais preferidos dos ricaços
em São Paulo.
Aqui
ou ali, um negacionista climático lançou um absurdo qualquer, sem muito
sucesso. Por enquanto, pródigo em despejar absurdos, só o governador gaúcho,
Eduardo Leite. Mas é bom não subestimar o “mito”, nem seus acólitos. Logo à
frente inventam uma asneira qualquer para explicar as enchentes e os danos
imensos que vitimaram os gaúchos.
Provavelmente,
alguém inventará uma “cloroquina ambiental” para reposicionar o “mito” e seus
acólitos no cenário político. Dias atrás um vereador lá do Rio Grande do Sul
lançou uma “pérola”: segundo ele, as árvores é que são responsáveis pelas
enchentes. Mas essa aí, por enquanto, não colou. Caso falte algo melhor, é
possível que a resgatem.
Cloroquinas
ambientais à parte, é bom o brasileiro médio começar a se ocupar com as
mudanças climáticas. Reconstruir o Rio Grande do Sul exigirá significativos
aportes de recursos e esforços imensos dos gaúchos e dos brasileiros em geral,
também. Afinal, todos contribuirão, pagando impostos, para o esforço.
Também
é bom lembrar que, mais à frente, novas catástrofes virão, porque parte das
mudanças é irreversível. Isso exigirá, mais uma vez, investimentos em obras de
recuperação. Mas o que se coloca como urgente, no momento, são recursos para
prevenção. É melhor, portanto, frear o avanço dessas mudanças que tentar, mais
à frente, mitigar seus danos.
A
Feira de Santana não chegou a ser atingida por nenhuma catástrofe. Mas o calor
que se estendeu de setembro a fevereiro e as chuvas torrenciais que caíram no
período mostraram que as mudanças climáticas estão aí e só não vê quem não
quer. Ou quem crê em cloroquina ambiental.
O
fato é que, no campo, parte da população foi afetada pela escassez de água para
a produção e até para o consumo humano. Por outro lado, regiões da cidade foram
alagadas pelas fortes chuvas e muita gente padeceu com expressivas perdas
materiais. O tema, portanto, não pode seguir sendo ignorado na Feira de Santana.
O que os candidatos à
prefeitura feirense tem a dizer sobre a questão? Vamos torcer que o tema seja
tratado com a devida seriedade. Sem cloroquinas ambientais.
Foram
divulgados hoje (17) números referentes à taxa de alfabetização dos
brasileiros. Os dados são do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, o IBGE. Segundo o levantamento, a Feira de Santana contava com
exatas 458.736 pessoas com idade superior a 15 anos alfabetizadas. Isso
corresponde a 93,4% da população nessa faixa etária. Há, deduzindo-se, 6,6% de
analfabetos por aqui.
Comparando
com os municípios do entorno, a Feira de Santana vai bem, obrigado: Conceição do
Jacuípe, com 91,09% até fica perto; mas Riachão do Jacuípe (85,1%), Santo
Estêvão (84,87%), Santa Bárbara (81,94%), Santanópolis (81,57%), Serra Preta
(79,78%) e Antônio Cardoso (79,4%) ficam mais distantes.
Note-se
que o problema tende a ser maior em cidades menores, pelo menos nesta amostra superficial
do entorno. É que, nestes lugares, tende a permanecer residindo no município a
população mais velha e que, no passado, não teve acesso à educação. Os mais
jovens se alfabetizam e migram em busca de oportunidades de trabalho.
Só
que a Feira de Santana não ostenta a mesma performance quando comparada a
Salvador, por exemplo. Na capital baiana, o percentual de alfabetizados é
maior: 96,55% da população ou 1,942 milhão de pessoas. São três pontos
percentuais de diferença.
O
desempenho feirense é um pouco melhor que o brasileiro, – no País são 7% de
analfabetos com mais de 15 anos – mas perde feio na comparação com regiões como
o Sul (3,5%) e o Sudeste (3,9%). O número, obviamente, é bem mais favorável na
comparação com o Nordeste (14,2%) e com a própria Bahia (12,6%). A Bahia,
aliás, segue com o maior número absoluto de analfabetos do Brasil: 1,4 milhão.
Imagino que, mais à frente,
profissionais da educação e estudiosos do tema vão se debruçar para entender melhor
essa realidade. Creio que na Feira de Santana vai acontecer o mesmo. A
princípio, aqui a situação calamitosa observada em muitos municípios
brasileiros é realidade distante. Mas, ao mesmo tempo, não estamos próximos de
municípios e regiões mais avançados. O desafio da educação na Princesa do
Sertão permanece colocado e não é pequeno.