Nem sei bem por quê fui lembrar disto, mas há exatos 20 anos Bahia e Atlético de Alagoinhas se enfrentaram no Joia da Princesa pelo Campeonato Baiano. Por alguma razão o tricolor da capital ficou impedido de jogar em Salvador e fez a partida aqui. Foi na noite de 21 de janeiro de 2004. O placar ficou em 2 a 2.
Naquela ocasião, os tricolores amargavam a decepção com o humilhante rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro no ano anterior. Estariam muito mais decepcionados se imaginassem que a equipe ficaria sete longas temporadas longe da elite do futebol nacional e oito intermináveis anos sem o título de campeão baiano.
Nas arquibancadas do Joia da Princesa a animada torcida do Carcará tirava sarro, entoando o surrado refrão: "...ão, ão, ão, segunda divisão...". Na torcida do Esquadrão de Aço, um torcedor desabafou consigo mesmo vendo o espetáculo deprimente em campo: "Eu sofro tanto...".
Coincidentemente, 20 anos depois, Bahia e Atlético de Alagoinhas voltaram a se encontrar pelo Campeonato Baiano, desta vez em Alagoinhas. Deu empate, 3 a 3, numa partida bem corrida. Com time reserva, o tricolor ainda não venceu na competição estadual.
Ora, dirá quem lê, o que uma partida tem a ver com a outra? Pouco, mas o ânimo dos tricolores é melhor agora. Afinal, o clube firmou parceria com o poderoso grupo City e diversas contratações - e cogitações - vem deixando a torcida eufórica. Já há quem veja o Bahia fazendo sombra ao Palmeiras ou ao Flamengo no curto prazo.
É cedo ainda para tanta ambição. Ano passado, mesmo com tantas contratações, o Esquadrão de Aço quase foi rebaixado no Brasileiro. Os resultados em campo - todos eles - ainda estão por acontecer. Mas a torcida anda feliz, jactando-se. Melhor esperar para ver o que virá.
O calor é tamanho que tira qualquer ânimo. Inclusive para escrever sobre o... calor! O final de semana foi tórrido na Feira de Santana. No domingo, no começo da tarde, fazia impressionantes 38°C, mas a sensação térmica alcançava 41°C. Pelas ruas, praticamente ninguém, mesmo de carro. Vá lá, é domingo, muita gente está na praia, mas, mesmo assim, o vazio foi completo. Lembrou a solitude pandêmica.
Faltam dois meses para o final do verão. Tudo indica, portanto, pelo menos mais 60 dias com a temperatura sempre bordejando os 40°C. Somando tudo, serão pelo menos seis meses de temperaturas elevadíssimas, pois tudo começou, por aqui, no início de outubro. Depois, finda o verão e o El Niño.
Mas, pelo que estimam renomados cientistas, a convivência com temperaturas muito elevadas está só começando. Vai se tornar o novo normal, ao que tudo indica. A nova normalidade, provavelmente, vai implicar em muitas mudanças de hábitos.
Uma delas - que já se aplica em larga escala - é sair só em momentos do dia em que o calor é menos terrível. É bom não duvidar que os seres humanos - animais urbanos - sejam forçados a trocar parte do dia por parte da noite, por exemplo, mais à frente.
É improvável que a humanidade abdique dos seus pequenos e grandes confortos em nome da preservação da natureza. Isso manteria as temperaturas em níveis suportáveis, mas exigiria altruísmo, abnegação. Daí deriva a certeza dos pessimistas na catástrofe irreversível, no apocalipse.
Nesta noite de domingo, uma impressionante tempestade de raios surge no oeste feirense. O espetáculo, sob silêncio, é estupendo. Trovoadas. Chegarão aqui? Fica a dúvida. Mas é melhor parar o texto porque, afinal, segue muito quente...
O centro da Feira de Santana é feio à noite. Mais que isso: é melancólico, deserto, silencioso. Enfim, deprimente. Completamente vazias, as ruas só encontram ânimo nos letreiros luminosos das lojas. Mas é um ânimo estéril, porque quase não há passantes. Assim como nas regiões centrais de boa parte das maiores cidades brasileiras, não mora gente no centro feirense. Só há vida, portanto, até o poente.
Nem mesmo bares abertos se veem pelo centro da cidade à noite. Um ou outro resiste nas cercanias da Praça de Alimentação, na Praça da Matriz, meio vazio. Afinal, logo cedo, no começo da noite, quem peleja pelo centro feirense vai embora, espremendo-se no precário transporte coletivo.
Nas grandes metrópoles há trabalhador que costuma retardar-se, improvisando um happy hour enquanto aguarda condução menos cheia. Por aqui, não: há o impulso de ir embora, o lusco-fusco, o poente esbraseado do verão tangem todo mundo das cercanias do centro comercial. Legado cultural da cidade provinciana, talvez.
Antes da pandemia, havia mais jovens aproveitando a pista de skate na Praça de Alimentação, sobretudo às sextas e sábados. Mas até esse hábito mudou. Nos quisques são mais comuns alguns biriteiros mordendo sanduíches para mitigar a fome. Assediando-os, os pedintes de sempre ou os esporádicos ambulantes com seus produtos made in China.
À medida que a noite avança, restam só os retardatários, a turma que não abdica da saideira. Os boêmios, a turma que aprecia a noite, migrou há tempos para regiões mais badaladas como a rua São Domingos - que já experimenta certo declínio - ou a avenida Fraga Maia, coqueluche do momento. Há sempre quem lamente a decadência do centro feirense, agitado três ou quatro décadas atrás.
O fato é que o centro da Feira de Santana - deserto, silencioso, desabitado - espera por dias melhores. Estes virão? Indagam os saudosistas, com uma ponta de ansiedade. É bom lembrar que a dinâmica urbana - atrelada aos movimentos do mercado imobiliário - costumam ser pendulares. Mais à frente, tudo indica, virá por aí uma maré reversa.
Mas, por enquanto, o centro feirense é triste é desalentador, mesmo nas potencialmente mágicas noites de sábado.
Tudo bem que o comércio da Feira de Santana perdeu um pouco do seu ímpeto nos últimos dias. Afinal, é janeiro. Mas quem circula pelas agitadas vias comerciais da cidade, mesmo nestes dias de relativa calmaria, vai notar a presença de orientais labutando por aí. Rostos chineses e coreanos - não sei se há a presença de outras nacionalidades aqui - vão, aos poucos, se tornando comuns na afamada Princesa do Sertão.
Não é só por aqui, aliás. Em São Paulo, são corriqueiros os rostos orientais na região da 25 de Março, pulsante artéria comercial da capital paulista. Alguém observará que a presença oriental por lá não é novidade, começou com a chegada dos japoneses décadas atrás. É verdade. Mas nos últimos decênios houve um novo impulso migratório, com milhares de chineses e coreanos espalhando-se pela pauliceia, dinamizando-a com seu trabalho, mas, também, com seu capital.
No Rio de Janeiro não foi diferente. No fervilhante Saara, entreposto de produtos importados no centro carioca, chineses e coreanos circulam com desenvoltura, aparentemente familiarizados com o calor dos trópicos e com a ginga fluminense. Por lá, não apenas mercadejam, como até mesmo vivem nos imponentes casarões em ruas históricas.
Até em Salvador - embora de maneira menos ostensiva - veem-se orientais pela avenida Sete de Setembro, junto ao Campo Grande, nas cercanias da praça Castro Alves. Sempre disciplinados e discretos, à frente de estabelecimentos comerciais, vendendo os produtos que seus patrícios fabricam no oriente remoto.
A Feira de Santana, obviamente, não escaparia ao radar chinês. Prestigiada cidade comercial, ocupa posição estratégica no entorno e sua influência se irradia por centenas de quilômetros, alcançando muitos milhares de consumidores Bahia afora.
Não foi à toa que os orientais aqui aportaram como dedicados trabalhadores e, sobretudo, como proativos comerciantes. Sua presença não se limita aos boxes do Feiraguay, estendendo-se por vias como a Conselheiro Franco, a Sales Barbosa e a Tertuliano Carneiro.
Talvez não faça pleno sentido - ainda - falar numa Feira Oriental. Mas o enérgico ímpeto comercial dessa gente já eletriza os corredores do Feiraguay, ruas e praças próximas, lembrando o frenesi de agitados entrepostos das megalópoles da vida. Aos poucos, também, nota-se que integram-se à vida local, mesmo sendo considerados arredios pelos feirenses.
Sim, o fato é que aos poucos começa a fazer sentido falar de uma Feira de Santana oriental...
O canto do galo ressoou subitamente. Era madrugada. Sobre o concreto do casario, silêncio. Madrugada de janeiro. Com o canto vieram, então, lembranças repentinas. Primeiro, a letra de uma canção imortalizada por Clara Nunes: "Galo cantou às quatro da manhã...". Depois, vagas recordações sobre a passagem bíblica da traição a Jesus Cristo, Pedro renegando o Messias, chorando em seguida, uma referência qualquer às três da manhã.
Não eram nem três, nem quatro da manhã. Precisamente 3h20, segundo me informou a voz feminina na Subaé AM, depois de uma canção antiga do A-Ha. O lamento - o tom do canto do galo era lamentoso - ecoou longe. À distância, outro galo respondeu. O primeiro persistiu, cantou de novo, mas o canto, para mim, perdera o encanto.
Sob o céu límpido - não havia um fiapo de nuvem sequer - identifiquei as luzes de um avião. Cortava os ares feirenses vindo do Nordeste (viria de Aracaju, de Maceió, do Recife?) e avançava num rumo indefinido: Belo Horizonte, São Paulo, Brasília? Gastei um tempo inútil especulando. Logo na sequência surgiu outro voo. Mas aquilo, como o canto repetido do galo, perdeu o ineditismo, a surpresa. Tornava-se, rapidamente, enfadonha rotina.
A madrugada avançava inquieta, como toda madrugada urbana. Sobretudo aos sábados, quando há ânimo, agitação, vozes. Mas a Feira de Santana segue esvaziada, o feirense curte as férias, as praias, foge do calor inclemente, da escandalosa luminosidade do verão sertanejo. Daí uma certa melancolia, a tristonha quietude.
Vivo - mesmo - só o céu noturno de verão. Nele as estrelas se destacavam e havia um quê de azul na escuridão, indefinível. Lembranças antigas surgiram, recordações de outros verões, de outros momentos da vida. Por um instante, as sensações pareceram estranhas, como se fossem de outra pessoa. Mas tudo passou.
É o primeiro texto do ano e quem lê perdoará a falta de propósito. Janeiro avança, o Carnaval se aproxima e, com ele, o começo do ano. Depois dele, é o momento de escrever sobre assuntos sérios, abordar temas sisudos, como as eleições municipais. Por enquanto, o ritmo é de férias. Como neste texto, que finda aqui.