Educação
sempre é tema em ano de eleição. Sobretudo quando a eleição ocorre em nível
municipal. A rigor, o roteiro é bem previsível: quem é governo, obviamente,
defende o que fez, suas realizações; quem é oposição fareja flancos abertos,
tenta convencer o eleitor de que a situação não está boa, que é necessário
mudar. Tudo isso é normal, do jogo.
Bom
mesmo, porém, é quando a discussão se dá com fundamento. Para isso, existem
estatísticas, informações, levantamentos, estudos. O Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – o IBGE – é fonte inesgotável de excelentes
informações.
Pegue-se,
por exemplo, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb. É possível
constatar que, em 2019, a Feira de Santana cravou nota 3,7 para os anos finais
do Ensino Fundamental. Isso na rede pública municipal. 16 anos antes, em 2005,
a nota era 2,8. Houve avanço? Houve, dirá o governista entusiasmado, mirando a
parte meio cheia do copo.
Quando
se buscam informações adicionais, porém, o opositor que enxerga a parte vazia
do copo ganha fôlego. Afinal, em 2005, a nota da Feira de Santana representava apenas
a 75ª na Bahia – com seus 417 municípios – e, em nível nacional, a modesta 1.371ª
colocação entre 5,5 mil municípios.
“Vamos
avançar”, provavelmente bradou algum entusiasmado governista. É verdade: passou
de 2,8 para 3,7. O problema – alegará o cético opositor – é que muitos outros
municípios avançaram bem mais. E brandirá – com razão – fornada adicional de
informações.
Na
Bahia, a Feira de Santana perdeu 130 posições no Ideb, recuando para a 205ª
posição em 2019. Em nível nacional o desempenho foi ainda mais pífio,
retrocedendo para a 2.471ª, perdendo mais de mil postos. Hoje, a Princesa do
Sertão divide posição com Cipó, Filadélfia e Correntina.
Por
que a Feira de Santana ostenta desempenho tão modesto, distante das cidades do
seu porte? Por que está em desvantagem inclusive em relação a pequenos
municípios baianos, que dispõem de bem menos recursos? É o que precisa ser
compreendido neste ano eleitoral.
Só a partir daí será
possível determinar quem leva vantagem nessa de copo meio cheio ou meio
vazio...
É grande a chance da
Feira de Santana não contar com nenhum time na primeira divisão do futebol
baiano ano que vem. O Fluminense de Feira, o Touro do Sertão, já se encontra na
Série B há duas temporadas consecutivas. Em 2024, mais uma vez, terá a chance
de sair do limbo, retornando à elite do futebol estadual.
O Bahia de Feira, por
sua vez, chega à última rodada da primeira fase da Série A em situação
delicada. Conquistou apenas cinco pontos até aqui. Na tabela, só pode alcançar o
Itabuna – que tem seis – e o Atlético de Alagoinhas, que tem sete. Precisa
vencer e torcer para que seus adversários, no máximo, empatem, pois caem duas
equipes.
O Tremendão até joga em
casa, na Arena Cajueiro, mas encara adversário indigesto. A Juazeirense,
adversária no domingo (03), tem 14 pontos e precisa vencer para assegurar vaga
nas semifinais do estadual. Ao Bahia de Feira só resta vencer: um empate é o
suficiente para condená-lo à Série B.
O que anima é que os adversários
diretos enfrentam páreos duros. A pior situação é a do Itabuna, que joga em
casa, mas encara o Vitória. O Atlético de Alagoinhas também decide sua vida em
casa, enfrentando o Barcelona de Ilhéus, terceiro colocado. São grandes as
chances de que os rivais percam pontos contra estes adversários. Mas o
Tremendão precisa fazer a sua parte, vencendo.
No começo da década
passada o futebol feirense viveu momentos mais felizes. Havia três times na
elite do Campeonato Baiano: além de Bahia e Fluminense de Feira, ainda havia o
Feirense, que se manteve por algumas temporadas na Série A. O Bahia de Feira,
inclusive, foi campeão estadual em 2011 e ficou com o vice em 2019 e 2021.
O futebol feirense só
ficou um ano sem representante na Série A. Foi em 1999, já que o Fluminense de
Feira havia caído no ano anterior. Caiu mas subiu logo na sequência, conquistando
a classificação numa eletrizante disputa de pênaltis contra o Galícia, naquele
mesmo 1999.
Assim, o risco da Feira de
Santana ficar longe da Série A é grande, logo agora que a prefeitura anunciou
uma milionária parceria público-privada para administrar o Joia da Princesa...
Discretamente
começam a surgir adesivos em carros lançando pré-candidatos a vereador. É claro
que ninguém se assume por enquanto – até porque a legislação não permite – mas
já se vê por aí “Fulana pela educação” ou “Beltrano da justiça social”. Quem olha
distraidamente se entusiasma: as questões que afligem a população estão aí,
contempladas, há quem se ocupe com elas.
Muita
gente não sabe, mas as novas regras eleitorais estão afunilando essa coisa de
candidaturas. Antigamente cada partido lançava chapa completa, era uma festa,
chovia candidato nos programas eleitorais. Agora, não. Segundo as novas regras,
cada partido pode lançar só 100% mais um candidato do total de vagas
disponíveis nas Câmaras Municipais.
Aqui
na Feira de Santana, por exemplo, cada partido pode lançar só 22 candidatos a
vereador. Antes, a regra cravava 150%, ou 33 postulantes. Uma farra em que
nomes inexpressivos, folclóricos ou histriônicos, divertiam o eleitor na tela
da tevê. Tudo indica que parte da diversão vai acabar. Afinal, o número de
candidaturas vai encolher.
Isso,
no entanto, não vem inibindo quem já distribui seus adesivos entre amigos, - ou
cabos eleitorais – tentando firmar-se desde já na memória do eleitor. O fato é
que a fantasia da vereança – com todos os seus privilégios – ainda faz a cabeça
de muita gente.
A
maioria sai das eleições endividada e frustrada, enganada por eleitores
ardilosos. Há quem prometa voto para qualquer postulante que aparecer. “Daqui
da minha casa ninguém sai triste. Prometo voto pra todo mundo”, confidenciou-me,
certa vez, um eleitor.
Muito
aspirante a político acredita nessas conversas. Político matreiro, porém,
costuma desconfiar dessas manifestações de amizade mais exaltadas. Quase sempre
o sorriso e o aperto de mão, firme, são ciladas. Convém ter atenção, não se
entusiasmar nem mesmo com o sucesso dos adesivos nos vidros dos carros.
Aqui na Feira de Santana,
em 2020, alguns inconformados foram procurar a Polícia Federal, reclamar que
seus votos “sumiram”. O gesto, patético, incorporou-se ao anedotário político
local. Era ano de pandemia, a covid-19 matando a torto e a direito. Em 2024 o
País ensaia uma normalidade e, talvez, gestos do gênero – caso se repitam –
divirtam mais que no passado recente, denso e pesado.
“Ao querido Walter
Fontoura, na esperança de que a leitura resgate lembranças da adolescência no
interior do Brasil. Rio, agosto 86”.
A
dedicatória está no exemplar de “Setembro na Feira”, livro lançado pelo
jornalista baiano Juarez Bahia. A obra é ambientada na Feira de Santana e a
personagem principal – arguto e atento observador – provavelmente é o próprio
Juarez Bahia menino, que aqui viveu parte da infância e da adolescência.
Adulto, construiu exitosa carreira jornalística em Santos e, depois, em São
Paulo e no Rio de Janeiro.
Mas
quem foi Walter Fontoura? Uma pesquisa na Internet indica que foi jornalista
renomado no eixo Rio-São Paulo. É considerado um dos expoentes do Jornal do
Brasil, em cuja redação trabalhou durante décadas. Morreu em São Paulo, em
2017. Deduzo que, na redação do JB, conviveu com o baiano de Cachoeira Juarez
Bahia. Deduzo, também, que era o dono do exemplar.
Folheei
o volume com dedicatória num sebo no centro de São Paulo. Lembro da tarde
abrasadora de verão, do calor que entorpecia. No corredor estreito, entre as
prateleiras, revi de relance a Feira de Santana da década de 1940, a
Queimadinha, as verdes colinas circundando a cidade, o centro de cidade
acanhado, o Alto do Cruzeiro ali nas imediações do Sobradinho.
Caminhos
improváveis me conduziram ao exemplar. Revejo-me pela Rua da Palma naquele
remoto agosto de 1986, franzino, sem saber quem seriam Juarez Bahia ou Walter
Fontoura, sem sequer imaginar que, no futuro, passaria boa parte da vida em
redações. Naquele tempo, a existência era pouco mais que o Sobradinho.
Hoje
imagino o lançamento do livro nalguma prestigiosa livraria carioca, notas nos
jornais enaltecendo as virtudes literárias do renomado jornalista Juarez Bahia.
Na fila, Walter Fontoura cumprimentando o autor, recolhendo a dedicatória no
exemplar que, décadas depois, descansa numa prateleira próxima à Queimadinha, a
mesma que inspirou o romance.
O
fascínio de freqüentar sebos reside justamente aí. Quem compra, muitas vezes,
leva mais que o exemplar, mergulha na própria história dos leitores anteriores.
Não é à toa que a atmosfera dos sebos é diferente, há solenidade e mistério, o
grito imaginário e pretérito dos que manusearam as publicações à mostra. Circular pelos corredores dos sebos é
sentir o “cheiro dos livros desesperados”, como Caetano Veloso compôs e Maria
Bethânia cantou.
Onde andei naquele agosto
de 1986? Imagino que, nalguma manhã ensolarada, visitei a antiga Biblioteca
Infantil ali na Praça da Matriz. Ia fazer lições escolares, mas também
mergulhar na atmosfera mágica dos livros. O exemplar de “Setembro na Feira”,
com dedicatória, me fez resgatar essas lembranças...
Salvador,
manhã de sábado, sol vigoroso, algumas nuvens e mar tranquilo. Foi então que,
no rádio, toca “Que tal um samba?”, de Chico Buarque. “Será música antiga, que
nunca ouvi?”. Não: a canção é recente, de 2022, descobri depois. Ouvindo-a pela
primeira vez, percebi que traduzia com perfeição o quadriênio nefasto que o
Brasil atravessou nos últimos tempos.
Depois
daquela descoberta, vira e mexe ouço-a novamente. Como traduz o Brasil doente
que emergiu com a ascensão da extrema-direita ao poder: “Então que tal puxar um
samba/Puxar um samba legal/Puxar um samba porreta/Depois de tanta
mutreta/Depois de tanta cascata/Depois de tanta derrota/Depois de tanta
demência”.
Não
para por aí, porém. Há esperança, há perspectiva de futuro, de dias melhores: “De
novo com a coluna ereta que tal?/Juntar os cacos, ir à luta/Manter o rumo e a
cadência/Esconjurar a ignorância, que tal?”. Erguer-se dos escombros, no entanto,
vem exigindo muito esforço, conforme previam os mais lúcidos. Mesmo que as
ameaças ainda não foram totalmente debeladas.
Mas
por quê a lembrança na noite de sexta-feira em que há mais ânimo e mais gente
pela cidade, mesmo com a trovoada que se insinuou? É que, nos últimos dias, o
noticiário exibe a exumação do golpe fracassado que a extrema-direita tentou.
Jair Bolsonaro, o “mito”, estava enfronhado na intentona, conforme sinalizam as
investigações. Está longe de ser surpreendente.
Quem
digere, horrorizado, os detalhes da investigação, sente-se por um instante de
volta ao pesadelo que durou quatro anos, mas que foi perversamente infinito. A
vulgaridade, a truculência, a selvageria, a ignorância, o autoritarismo, o
cinismo, a desfaçatez, a mentira, tudo brota feito um bueiro que transborda, caudaloso.
Por enquanto, respira-se.
A
disposição golpista, porém, não arrefece. O “mito” convoca seus acólitos para fazerem
número na Avenida Paulista, lá em São Paulo. Com o espetáculo grotesco pretendem
intimidar o Judiciário, acuar os sensatos que repelem uma ridícula e
extemporânea ditadura de lunáticos de extrema-direita. Novamente se verá o
triste espetáculo dos dementes, dos alucinados, dos aloprados e dos facinorosos
em êxtase com o “mito”.
Mas é noite de sexta-feira.
Melhor respirar, preparar-se para o final de semana, para as alegrias miúdas do
cotidiano que ainda não foram ceifadas. Há vida, pelo menos até a próxima
intentona golpista. Então, “Que tal um samba?”