Inicialmente
pensei na coisa como piada, pilhéria. Mas, com o passar do tempo, a idéia foi
ganhando gravidade, encorpando-se, começando a ganhar sentido. Começou assim:
observando uma daquelas fotos panorâmicas da Câmara dos Deputados – havia
centenas de parlamentares nela – pensei: “Quantos, nesta turba aí, podem ser
candidatos a aiatolá mais à frente?”.
Como
disse, pensei isso como piada. Mas o tempo foi passando e a piada se converteu
– por enquanto – numa cogitação absurda. Mas, do jeito que vamos, logo a
cogitação absurda vai se converter em possibilidade, quiçá probabilidade.
Afinal, a semana passada foi prenhe de absurdos de inspiração fundamentalista
entre os deputados. Não nos faltam candidatos a aiatolá.
Pelo
que se noticia, um projeto propõe que mulheres que fizerem aborto após a 22ª
semana de gestação – mesmo as estupradas – responderão criminalmente pelo ato.
A pena é dura, equivalente a homicídio: até 20 anos. Os maníacos responsáveis
pelos estupros pegam, no máximo, 10 anos de prisão. Pelo visto, no parlamento,
estuprador vale mais que a vítima.
O
que fundamenta a proposta abjeta? O proponente disse que pretendia “testar” o
presidente Lula em relação à questão do aborto. Ou seja: danem-se as mulheres –
e as crianças e as adolescentes – expostas à legislação draconiana. Se morrerem
ou forem presas, tanto faz. O importante é emparedar Lula e o PT. Bela
demonstração de cristianismo.
O
bom é que houve reação e as mulheres foram às ruas. Parece que o horror – pelo
menos enquanto houver mobilização – não vai avançar. A implantação da
“república dos aiatolás” está em gestação, mas, por enquanto, não tem condições
de ser imposta. O custo para freá-la – ao que tudo indica – será a mobilização
permanente.
A
sarjeta legislativa vem regurgitando, caudalosa, nos últimos dias. Começaram
pela privatização das praias – sumiu do noticiário depois do PL do Estupro –,
passaram pela PEC das drogas e, agora, chegaram a este projeto que provocou
ampla reação. Farejando a rejeição, o Centrão, matreiro, começou a pular fora.
Por
enquanto, a “república dos aiatolás” não tem força para se consolidar. Mas é
bom não exagerar no otimismo. O mundo inclina-se à extrema-direita e, como
subproduto dessa inclinação, há o fundamentalismo religioso. É bom manter a
vigilância, reagindo a quaisquer surtos teocráticos vindouros...
Com
o início de junho, começou o espocar de fogos nas noites feirenses. Parte
deles, como se sabe, deve-se às celebrações da trezena de Santo Antônio,
tradicional por aqui, que terminou ontem (13). Foguetório amplo, a fumaça densa ganhando
os céus, brilhante, refletindo a luz das lâmpadas da iluminação pública.
Junto
com a trezena, é claro que há, também, o foguetório do futebol, as torcidas
seguem comemorando. Mas existem também
os que aguardam com ansiedade a chegada dos festejos juninos. São esses que,
mesmo antes da chegada do São João, aproveitam para extravasar, soltando seus
fogos, extasiando-se com os sons, as luzes, as cores.
São
mais comuns nos finais de semana, mas arriscam-se também nas silenciosas noites
dos dias úteis. Entre eles, prevalecem as crianças. Inquietas, essas mal se controlam,
contando os dias para a mais aguardada festa da infância nordestina.
Fogueiras,
por enquanto, ainda são raras. Mas, pelas ruas, já é possível observar a
oferta, tabuletas de “vende-se” tentando despertar a atenção de quem passa.
Ostentam tamanhos variados, buscando satisfazer bolsos diversos.
Há,
também, mais vendedores de amendoim. O feirense, como se sabe, aprecia o
amendoim cozido, para além das festas juninas. Há demanda o ano todo. Mas a
quantidade de vendedores aumenta neste mês de junho. Típico da época é o forró,
o licor, as bandeirolas e os bolos de aipim, puba, fubá, milho.
Arrematando
a atmosfera junina, há a boa notícia da chuva persistente. Começou em meados de
abril e vem se renovando com regularidade. Na zona rural – e na cidade também –
a expectativa é por uma boa colheita de milho. Por aqui, o milho arde assado
nas fogueiras juninas, mas também é matéria-prima para inúmeros pratos da
culinária regional.
Depois
das temperaturas inclementes do El Niño,
está aí La Niña resfriando, trazendo
chuva. Como se sabe, o cenário junino exige a garoa, o frio moderado. Neste 13
de junho, dia consagrado a Santo Antônio, o cenário do São João se desenha com
perfeição.
Afinal, o feriado até cai
numa segunda-feira, assegurando mais um fim-de-semana prolongado...
Nos
anos 1990 as grandes ondas ideológicas eram o neoliberalismo e a globalização.
A primeira conduziria o mundo à segunda. Mercados abertos e desregulamentados
favoreceriam a circulação de bens, produtos e serviços, otimizando custos e
franqueando o acesso ao que cada lugar produz de melhor. Seria o paraíso
liberal aqui mesmo, na terra.
Alguns
sacrifícios seriam necessários, claro. O maior deles seria revogar a caquética
legislação de diversos países – sobretudo a trabalhista – e avançar, com
destemor, em direção à abertura dos mercados. Naquele contexto, a União
Europeia surgiu como paradigma absoluto. Orquestrava-se, para as Américas,
projeto semelhante: a Área de Livre Comércio das Américas, a Alca.
As
condições draconianas impostas pela proposta – só os Estados Unidos levariam
vantagem – e a ascensão de governos à esquerda na América do Sul sepultaram a
iniciativa. A frenética imprensa “liberal” brasileira, no entanto, seguiu
vociferando, acusando protecionismo, nacionalismo e outros “ismos” disponíveis
nas prateleiras ideológicas. Nunca se conformou com a “fraquejada” à esquerda.
Desde
então o mundo mudou muito. A China – que, à época, era coadjuvante na economia –
ascendeu e, apesar do rótulo de comunista, figura como um dos países mais
globalizados. Seus investimentos e produtos irradiaram-se pelo planeta, numa
expansão vertiginosa.
Conflitos
religiosos se intensificaram, sobretudo sob a tradicional dicotomia
Ocidente-Oriente; a Europa – curiosamente – perdeu protagonismo relativo na
economia e na política; e os Estados Unidos, também em declínio relativo, hoje,
se dividem numa batalha surda contra China e a Rússia, esta última velha
conhecida.
Ao
longo do processo, a extrema-direita foi avançando. Donald Trump venceu nos
Estados Unidos e, ao fim do mandato, tentou um golpe de estado; por aqui,
repetimos o roteiro: Jair Bolsonaro, o “mito”, tornou-se presidente e sua turba
também tentou um golpe no fim do mandato. Mundo afora, a extrema-direita –
aplicando sempre métodos semelhantes – foi vencendo, impondo sua agenda de
horror.
Domingo
(09), na Europa, a extrema-direita avançou mais alguns degraus no Parlamento
Europeu. Não foi a vitória que alardeavam, mas avançaram; a imprensa, temerosa,
vem tentando minimizar. Ainda alimenta esperanças no neoliberalismo, na
globalização.
Não
é o que se vê mundo afora. Nacionalismo, militarismo e xenofobia divergem, em
absoluto, do receituário político liberal. Quem ainda recorre a ele, apega-se à
pauta econômica, mas só até certo ponto. É o que se vê no Brasil, amplamente
contaminado pela sarna da extrema-direita.
Por
aqui, viceja o discurso do “privatize-se tudo”. Não por princípio, mas por
oportunidade de negócios, quase sempre escusos. De forma mais direta, corrupção;
a praga do Estado mínimo é só para o pobre que, se ficar reclamando, torna-se
alvo das polícias. Competição é discurso da boca pra fora: quem tem força,
recorre aos amigos parlamentares para abiscoitar subsídios, isentar-se de
juros, do pagamento de impostos, de obrigações trabalhistas.
Hoje, não vejo o “discurso
liberal” no Brasil senão como piada. Há alguns devotos sinceros, honestos. Lá
fora, a coisa está saindo de moda na era do nacionalismo de extrema-direita.
Como o Brasil é muito atrasado, ainda cultiva-se o discurso. Mas a onda virou e
o liberalismo no presente está sendo enterrado, numa nova onda da História.
Meio
incrédulo, soube no fim da manhã de ontem (08) do falecimento da economista
Maria da Conceição Tavares. Portuguesa – mas naturalizada brasileira –
Conceição Tavares contribuiu decisivamente para a formação de gerações de economistas
brasileiros. Ela, Celso Furtado, Ignácio Rangel e Carlos Lessa foram fundamentais
para a interpretação da economia brasileira na segunda metade do século XX.
Essa
contribuição foi essencial para que o Brasil superasse a condição primário-exportadora
e diversificasse sua economia, industrializando-se e, em alguma medida,
modernizando-se. O esforço de industrialização – que começou na Era Vargas há
quase 100 anos – ganhou impulso adicional com o respaldo de estudos e do
trabalho técnico de inúmeros economistas que pelejavam pela industrialização nacional.
Nas
últimas décadas a questão industrial saiu de moda. É bom ressaltar que saiu de
moda, mas segue essencial para se pensar o futuro de um País tão grande,
complexo e diverso como o Brasil. Tempos atrás, pensava-se que o debate
indústria versus economia primário-exportadora tinha sido superado.
Engano: à medida que o agronegócio ganhava relevância, desmantelaram a
indústria no País. Regrediu-se um século.
Ressurgiu,
então, o debate – se é que pode ser chamado assim – sobre o protagonismo do
agronegócio e da economia primário-exportadora. Lunáticos de extrema-direita
gritam nas mídias sociais que o Brasil é o “celeiro do mundo”, que “nossa
vocação é plantar”, que “o planeta depende da agropecuária brasileira” e por aí
vai. Bens industriais? Compra-se lá fora.
Trava-se,
assim, um debate raso, que se move sobre a superfície das coisas, sem mergulhar
em sua essência. Os desastres ambientais, a ressurgência do protecionismo agrícola
na Europa e nos Estados Unidos, a crescente dependência externa, o atraso
tecnológico, nada disso figura nas discussões atuais que, em grande medida, não
passam de bate-boca.
O
fato é que a encruzilhada econômica – para só mencionar esta – em que o Brasil
se encontra exige a releitura de grandes pensadores do naipe de Conceição
Tavares e Celso Furtado. Dado o prolífico festival de sandices que se vê por aí,
autores clássicos da economia brasileira tornaram-se, novamente, atualíssimos.
Sobretudo para quem não conhece nada de História, sobretudo de História
Econômica.
Devo muito da minha
formação acadêmica e da compreensão da economia brasileira a Maria da Conceição
Tavares. Seu falecimento deixa uma lacuna profunda. Deixa-nos, irremediavelmente, órfãos de sua sabedoria.
Ontem
foi o Dia Mundial do Meio Ambiente. Data solene, daquelas que acionam discursos
automáticos de louvação à natureza. Recentes catástrofes climáticas, porém,
estão deixando esses discursos sem nexo. O tempo dos discursos, aliás, ficou
para trás. É necessária ação urgente, porque os efeitos da negligência com o
meio ambiente chegaram. E não se limitam à tragédia no Rio Grande do Sul, não.
É
bom lembrar que o El Niño, que
começou ano passado e se estendeu até 2024, foi devastador. Aqui na Feira de
Santana a temperatura alcançou patamares impressionantes, sempre beirando – ou
ultrapassando – a sensação térmica de 40°. Outubro, novembro e dezembro foram
meses de calor desesperador.
Depois
do calor, vieram as tempestades. Em poucos minutos caíam volumes
impressionantes de água. Ruas e avenidas alagadas, imóveis alagados,
construções danificadas, prejuízos consideráveis, – sobretudo para os mais
pobres que perderam seus bens – tudo isso levou o município a decretar situação
de emergência no começo de 2024.
Depois
a temperatura despencou e as chuvas começaram a cair mansas, às vezes uma fina
garoa prateada encobrindo a cidade com uma cortina diáfana. Pelo jeito, bastou
isso para se abandonar, por aqui, qualquer referência às mudanças climáticas. A
catástrofe no Rio Grande do Sul é distante, nem todo mundo consegue enxergar
conexão.
Seria
bom – neste ano eleitoral – que a Feira de Santana começasse a discutir o que
fazer para mitigar os efeitos das mudanças climáticas por aqui. Ampliação de
áreas verdes, por exemplo, seria um bom tema. Afinal, há poucas árvores em espaços
públicos da zona urbana.
Cuidar
das nascentes e das lagoas que restam – muito do que havia foi soterrado pela
expansão imobiliária predatória – é outra medida que, com certeza, deveria ser
adotada. Há iniciativas complementares, como a educação ambiental e o próprio
incentivo oficial a ações de preservação que mereçam estímulo e apoio fora da
esfera pública.
O
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, ainda não
disponibilizou as informações do Censo 2022 referentes ao meio ambiente em
nível municipal. Mas, pelos números de 2010, percebe-se que a situação é
desanimadora na Feira de Santana: só 48,3% das vias públicas contavam com
arborização; esgotamento sanitário adequado estava à disposição de apenas 59,7%
da população; vias públicas urbanizadas, por sua vez, limitavam-se a somente
17,1%.
Alguma coisa melhorou desde
então? Talvez. Mas é bom lembrar que tudo o que foi feito até aqui é
insuficiente. É necessário pensar – e agir – sobre a questão ambiental com mais
assertividade. Inclusive na Feira de Santana.