O outono começou oficialmente
ontem (20), pouco depois da meia-noite. A estação sucede incandescentes
primavera e verão, quando a temperatura frequentemente se aproximava dos 40°C e
a sensação térmica, quase sempre, era ainda mais alta. Parece que não há muito
o que comemorar: a previsão é que, nos próximos dias, o calor não vai arrefecer
e as chuvas serão escassas.
Para enfrentar o calor, árvores
são necessárias. Mas dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o
IBGE, indica que somente 48,3% das ruas feirenses são arborizadas. A informação,
que se refere a áreas públicas, é antiga, de 2010. Provavelmente em breve
informações mais atuais, do Censo 2022, devem estar disponíveis.
No quesito, Feira de Santana
perde feio para metrópoles como São Paulo (75,4%), Rio de Janeiro (72,2%), mas
vence Salvador (40%), com sua intrincada malha de favelas; e Manaus, que é o
horror do horror, com só 25,1% de vias arborizadas. Todos os números são do
mesmo IBGE, de 2010.
O problema é que, por aqui, imagino
que a situação piorou, ao invés de melhorar. Para chegar à constatação, basta
circular pelas ruas e observar a aversão ao verde que se cultiva nesta cidade,
somada à ausência de iniciativas efetivas de arborização do poder público. Provavelmente
há menos árvores do que em 2010.
Na periferia feirense, há ruas
longas sem nenhuma árvore. Ao meio-dia, essas vias tremulam sob as ondas de
calor. Pior é que no próprio centro da cidade a aversão ao verde é intensa. Nem
aquelas árvores que resistem – e embelezam – a Getúlio Vargas queriam poupar.
Que dizer, então, do Anel de Contorno? De tão quente, merece figurar nesses
filmes de ficção científica, estilo Blade
Runner.
Talvez chova e faça até frio nos
próximos meses. É o ciclo das mudanças climáticas. Mas é bom não cultivar
ilusões: mais à frente, por volta de setembro, o calor volta com intensidade.
Há quem possa abrigar-se sempre sob o ar-condicionado, confortável e
refrescado.
Mas isso não é para todos.
Nem para tantos.
Depois
de muito vaivém, a realização da Micareta da Feira de Santana foi confirmada. É
lógico que o município atravessou um momento delicado em função das trovoadas
que caíram no começo do ano. Daí as marchas e contramarchas que antecederam a
confirmação. Mas a Micareta é muito importante para a Princesa do Sertão.
Cancelá-la só em caso de incontornável gravidade.
É
bom lembrar que a pandemia da Covid-19 impediu a realização da festa por três
anos seguidos. Em 2020 até houve Carnaval, em fevereiro, mas a disseminação
veloz da doença causou o correto cancelamento da Micareta em abril daquele ano.
Nos dois anos posteriores a pandemia seguia fazendo vítimas e não fazia sentido
retomar a folia.
Mas,
em 2023, depois de quatro anos, o feirense pôde se esbaldar no circuito da Presidente
Dutra numa festa que foi amplamente elogiada. Adiá-la novamente seria ruim para
o folião. Para a economia feirense, que tem na festa um dos seus momentos de
maior dinamismo, seria desastroso. Afinal, os quatro dias de folia – já foram cinco
no passado! – movimentam muito a economia local.
Hoteis,
bares e restaurantes costumam faturar bem no período. Nem é preciso lembrar que
esses segmentos geram milhares de oportunidades de trabalho e costumam reforçar
suas equipes na época. O setor de eventos também se movimenta, pois realiza
festas, feijoadas, shows e oferece camarotes nos dias de folia.
Profissionais
da música também são beneficiados – embora boa parte das atrações venha de fora
– numa época de refluxo entre o Carnaval e as festas juninas. Há, também, mais
movimento nos segmentos de calçados e vestuário, afinal a turma quer curtir a
folia com roupa e calçado novos.
Por
fim – e não menos importante – há milhares de barraqueiros e ambulantes que
faturam com a realização da Micareta. A infinidade de produtos que eles
oferecem durante a festa – sobretudo alimentos e bebidas – ajuda no orçamento
doméstico e se reflete, inclusive, em maior demanda no comércio dos bairros,
pois depois chega a vez deles comprarem.
Apesar
dos investimentos para a realização da festa – segurança pública e saúde à
frente – o próprio poder público se beneficia, com alguma compensação na
arrecadação de impostos. No âmbito econômico, portanto, são amplos os
benefícios.
Ora
– dirá alguém – isso não constitui novidade, todo mundo sabe disso. É verdade.
Mas vamos atravessando tempos trevosos. Nesta época de estridente fanatismo
religioso, celebrações populares – como o Carnaval e sua gêmea siamesa
feirense, a Micareta – colocam-se como alvos do fundamentalismo religioso. Daí
a necessidade de lembrar a importância econômica da festa, ignorando até sua relevância
cultural.
Ao invés do imortal “É a
economia, estúpido”, do folclore político dos Estados Unidos, talvez caiba por
aqui um “É a Micareta, estúpido”, que também ajuda a alavancar pretensões
eleitorais na província feirense...
Ano
de eleição municipal costuma eletrificar o eleitorado. Principalmente nas
pequenas cidades, onde não costuma haver grandes novidades. Nesses lugares, há
o engajamento político, militante, cidadão, mas, também, jogador. Tudo que
envolve o pleito é motivo para aposta: quem leva a prefeitura, quem se elege
vereador, qual a margem de votos, quem fica à frente numa determinada
comunidade.
Moeda
corriqueira em apostas do gênero é a cerveja. Quase sempre as apostas nascem
nos botequins, o comerciante que despacha a clientela e esfrega os cotovelos no
balcão é convocado como testemunha, fiel depositário – quando a aposta é em
dinheiro – e, quase sempre, é também o feliz fornecedor da bebida que vai
refrescar a garganta do vencedor.
Uma
caixa de cerveja, um carneiro, uma cabra ou meia-dúzia de galinhas são prêmios
corriqueiros. Despertam pouca atenção, comentários escassos. Sobretudo porque
costuma envolver quem reside nas periferias acanhadas das cidades minúsculas ou
na zona rural. Ninguém dá importância às polêmicas envolvendo cachaceiros.
A
coisa muda de figura quando quem aposta são fazendeiros, comerciantes bem
estabelecidos, gente influente enfronhada na política. É quando saem de cena os
botecos sórdidos das periferias e surgem pizzarias e restaurantes freqüentados
pelos maiorais do lugar. Às vezes, é na varanda elegante de um casarão
imponente que a aposta é sacramentada.
Nessas
ocasiões, ninguém aventura uma bicicleta, galinhas ou uma caixa de cerveja.
Milhares de reais – às vezes dezenas –, automóveis e até propriedades rurais figuram
entre os prêmios. Os boatos correm, o povo comenta nas igrejas, nas repartições
públicas, na feira-livre, nos próprios botecos da periferia.
-
Fulano apostou uma Hilux – Diz alguém, olhos abertos de espanto.
Espertos,
alguns desafiam para intimidar os adversários, firmar reputação de rico.
Afinal, nos lugarejos remotos, dispor de propriedades não é o suficiente. É
preciso arrotar riqueza, fingir-se de endinheirado para não ser confundido com a
legião de pobres, o que costuma ser a suprema infâmia.
Talvez
alguém observe que o mundo mudou e que, com as tais bets – as bancas de apostas – arriscar a sorte se tornou
corriqueiro. É verdade. Mas a aposta pelas mídias digitais é impessoal e não
envolve a realidade imediata. No interior é diferente, é olho no olho e é o
cenário local, palpável.
Imagino que o frenesi
permaneça por aí e ganhe intensidade com a aproximação das eleições.
Saiu
a primeira pesquisa eleitoral para o cargo de prefeito de Salvador. Quem
acompanha o cenário político da capital não se surpreendeu: lá, o prefeito
Bruno Reis (União) lidera com margem folgada, muito à frente do segundo
colocado, o vice-governador Geraldo Júnior (MDB). Caso as eleições fossem hoje,
o atual prefeito obteria mais de 60% dos votos válidos.
O
cenário soteropolitano guarda diferenças expressivas em relação à Feira de
Santana. Por lá, já há muita definição. O atual prefeito – obviamente – é
candidato à reeleição. O principal nome da oposição, por sua vez, foi definido
desde meados do ano passado, numa concertação de partidos aliados ao governo
estadual.
Aqui
na Feira de Santana ainda restam dúvidas. O ex-prefeito José Ronaldo de
Carvalho (União) mantém agenda de candidato, mas até agora não confirmou a
candidatura. Seu principal adversário deve ser o deputado federal José Neto
(PT). Mas, até agora, a pré-candidatura não foi oficialmente lançada.
Aguarda-se a confirmação do governador Jerônimo Rodrigues (PT).
Curiosamente,
quem antes confirmava candidatura talvez recue até as convenções partidárias. É
o caso do deputado federal Capitão Alden (PL). Dias atrás, em Salvador, ele
revelou que o partido está mais interessado em eleger vereador, em manter o
“bolsonarismo” vivo na Feira de Santana. Sobre a prefeitura, nenhuma declaração
incisiva.
Quem
segue garantindo candidatura a prefeito é o deputado estadual Pablo Roberto
(PSDB). Muita gente duvida de suas pretensões, aposta numa composição mais à
frente. O fato é que, pelo menos do noticiário eleitoral, o parlamentar anda
sumido nos últimos dias.
Esperavam-se
definições depois do Carnaval. Pois a folia momesca já se distancia e, até
agora, nada. Isso não quer dizer que não há clima eleitoral pelas ruas. Fala-se
sobre as eleições, alguns defendem com paixão seus candidatos. Mas tudo de
maneira hipotética ainda.
É provável que, por aqui, o
jogo só comece a ser jogado às claras depois da janela de filiações
partidárias, que se encerra em abril. E que o clima eleitoral esquente mesmo a
partir da Micareta...
Educação
sempre é tema em ano de eleição. Sobretudo quando a eleição ocorre em nível
municipal. A rigor, o roteiro é bem previsível: quem é governo, obviamente,
defende o que fez, suas realizações; quem é oposição fareja flancos abertos,
tenta convencer o eleitor de que a situação não está boa, que é necessário
mudar. Tudo isso é normal, do jogo.
Bom
mesmo, porém, é quando a discussão se dá com fundamento. Para isso, existem
estatísticas, informações, levantamentos, estudos. O Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – o IBGE – é fonte inesgotável de excelentes
informações.
Pegue-se,
por exemplo, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb. É possível
constatar que, em 2019, a Feira de Santana cravou nota 3,7 para os anos finais
do Ensino Fundamental. Isso na rede pública municipal. 16 anos antes, em 2005,
a nota era 2,8. Houve avanço? Houve, dirá o governista entusiasmado, mirando a
parte meio cheia do copo.
Quando
se buscam informações adicionais, porém, o opositor que enxerga a parte vazia
do copo ganha fôlego. Afinal, em 2005, a nota da Feira de Santana representava apenas
a 75ª na Bahia – com seus 417 municípios – e, em nível nacional, a modesta 1.371ª
colocação entre 5,5 mil municípios.
“Vamos
avançar”, provavelmente bradou algum entusiasmado governista. É verdade: passou
de 2,8 para 3,7. O problema – alegará o cético opositor – é que muitos outros
municípios avançaram bem mais. E brandirá – com razão – fornada adicional de
informações.
Na
Bahia, a Feira de Santana perdeu 130 posições no Ideb, recuando para a 205ª
posição em 2019. Em nível nacional o desempenho foi ainda mais pífio,
retrocedendo para a 2.471ª, perdendo mais de mil postos. Hoje, a Princesa do
Sertão divide posição com Cipó, Filadélfia e Correntina.
Por
que a Feira de Santana ostenta desempenho tão modesto, distante das cidades do
seu porte? Por que está em desvantagem inclusive em relação a pequenos
municípios baianos, que dispõem de bem menos recursos? É o que precisa ser
compreendido neste ano eleitoral.
Só a partir daí será
possível determinar quem leva vantagem nessa de copo meio cheio ou meio
vazio...