Ninguém fala mais sobre os grandes investimentos em infraestrutura que foram anunciados no primeiro governo de Dilma Rousseff (PT). Em julho serão completados cinco anos da realização de uma festiva audiência pública para recolher propostas sobre os projetos, que estavam em fase de gestação. O evento foi tocado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e os dirigentes prometiam, naquela oportunidade, que as licitações seriam lançadas ainda no segundo semestre de 2013.
Segundo o que se anunciava, Feira de Santana seria interligada a quatro destinos diferentes por ferrovias. Eram eles: Ipojuca, na região do Grande Recife, em Pernambuco; Juazeiro e Petrolina, às margens do São Francisco, na fronteira da Bahia com Pernambuco; Belo Horizonte, a capital das Minas Gerais; e Candeias, na Região Metropolitana de Salvador.
A soma a ser aplicada no celebrado Plano de Investimento em Logística (PIL) era pra lá de vultosa: cerca de R$ 91 bilhões, do Governo Federal, em valores da época. O governo pretendia seduzir investidores adotando Parcerias Público-Privadas (PPP), com prazo de concessão de 30 anos. A previsão para a conclusão das obras era muito ambiciosa: apenas cinco anos. Noutras palavras, as ferrovias deveriam estar, hoje, às vésperas da inauguração.
Estava-se, à época, na antessala da terrível recessão cujos efeitos se sentem até hoje. Só que, naquele momento, parecia que o Brasil tinha encontrado uma solução mágica para a questão da escassez de recursos. Todos – sobretudo os governantes – viviam embriagados pelo sucesso. O espaço para ponderação, portanto, era estreito e quem criticava costumava ser taxado de “pessimista”,“derrotista”ou “direitista”.
Delírio tropical
Lá adiante a crise estourou e o Brasil mergulhou em uma recessão profunda, talvez a mais feroz do período republicano. Fragilizada pela crise econômica e pela imperícia política, Dilma Rousseff foi escorraçada pelos antigos aliados, no controverso episódio do impeachment. Esses, no poder, têm foco na obra miúda, paroquial, clientelista e não em qualquer grande projeto de desenvolvimento.
A revolução ferroviária – digamos assim – porém, já tinha saído dos trilhos antes: fatores como dificuldade na concepção de projetos, incertezas na taxa de retorno e exagerada ambição nos prazos contribuíram para sua suspensão antes até da crise. Os investidores confiavam pouco no governo, que já patinava na burocracia e nos arroubos de dirigismo stalinista.
A transição de governo conduziu do delírio para o vácuo: os antigos clichês das “soluções de mercado”, da “mão invisível” e outras fórmulas fáceis foram imediatamente resgatados pelo novo governo de plantão. Estabeleceu-se, portanto, um vácuo, apesar de toda a retórica enaltecendo os intrépidos investidores, que até aqui demonstram pouca disposição para coçar o bolso.
E o futuro?
A necessidade da discussão sobre investimentos para o desenvolvimento regional, porém, permanece colocada. Mais: é imprescindível, sobretudo porque o País precisa ampliar ou modernizar sua infraestrutura logística, sucateada nas últimas décadas. Apesar das propagandas e da retórica incessante, os resultados são pífios, conforme atestam, na Bahia, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), o Porto Sul ou a badalada ponte Salvador-Itaparica.
A Feira de Santana é estratégica em qualquer projeto de desenvolvimento econômico para a Bahia. Suas vantagens são sobejamente conhecidas: rede de comércio e serviços pujante, indústria consolidada e malha rodoviária densa e capilar, abrangendo rodovias federais e estaduais. Além, claro, da proximidade de centros urbanos dinâmicos como Salvador, Aracaju, Maceió, Recife e Juazeiro/Petrolina.
Hoje, o município apresenta algumas urgências em logística cruciais para impulsionar um novo ciclo de desenvolvimento: o imbróglio do aeroporto, subutilizado, a duplicação da BR 116 Norte – pelo menos até Serrinha – e a integração do município ao modal ferroviário, mesmo que numa dimensão bem mais modesta – e realista – que aquela proposta delirante do primeiro governo Dilma Rousseff.
Resta saber se algum dos candidatos a governador trará propostas concatenadas para o desenvolvimento do estado, incluindo aí a Feira de Santana.
As temperaturas elevadas, registradas praticamente todos os anos, já dão sinais de que começam a influenciar os hábitos da população feirense. Isso principalmente ao longo do verão. Segunda-feira (05) os termômetros registraram inacreditáveis 38 graus; Hoje, a máxima alcançou impressionantes 36 graus. O problema é que as temperaturas mínimas também não são nada refrescantes: nos últimos dias, vêm oscilando entre 28 e 29 graus, o que não permite sequer aquela aragem agradável da madrugada.
Quem sai às ruas sente a pele arder, ressecada, sobretudo a partir dos finais de manhã e até depois do meio da tarde. O horizonte próximo – mesmo o fim da rua – tremula em ondas de calor. E a luminosidade intensa ofusca a vista, impõe óculos e boné para os mais sensíveis.
As árvores escassas, nessas canículas intensas, projetam sombras mesquinhas, sobretudo ao meio-dia. A trégua que oferecerem é precária: venta pouco e o bafo quente, ardido, dilui o efeito do resguardo passageiro do sol. O asfalto, o concreto e o vidro – constantes imutáveis na paisagem feirense – amplificam a sensação de calor.
No céu, o azul contracena com punhados de nuvens disformes, encardidas, que vão se arrastando pela amplidão. Aqui ou ali uma delas encobre o sol, ofertando uma trégua breve. Mas as nuvens, nos últimos dias, têm sido mais raras e logo cedo é possível perceber, pela luminosidade do céu, que o dia vai ser escaldante.
Hábitos
Hoje se vê pouca gente circulando pela cidade nas horas de sol mais intenso. Quem se arrisca empunha acessório que, antes, só era visível nas garoas do inverno ou sob as trovoadas do verão: a sombrinha ou o guarda-chuva; quem perambula como ambulante e é mais prudente resguarda-se com aquelas malhas que protegem dos raios ultravioletas. Bonés ou chapéus são indispensáveis também.
É provável que, nesses meses de estio intenso, comércio e serviços registrem alteração no fluxo de clientes: mais cedo, com o sol ainda morno – como diz o tabaréu – talvez a afluência de consumidores seja maior; mas, à medida que o astro dourado escala o alto do céu, o feirense desaparece, para só voltar a circular lá quase no fim da tarde, quando o horizonte começa a ficar alaranjado.
Rotina do gênero lembra as povoações longínquas, miúdas, do sertão agreste. Só que o desmatamento, o aterramento das lagoas e o excesso de vidro, concreto e asfalto na paisagem urbana aproximaram Feira de Santana dessa realidade. Justamente aqui, cujas temperaturas eram mais apenas porque a cidade desfrutava do privilégio de integrar o “Sertão Atlântico”, para se recorrer a uma licença poética.
A previsão do tempo indica que, nos próximos dias, a temperatura média vai cair um pouco: as máximas se reduzirão a até 33 graus e, as mínimas, bordejarão os 27 graus. Noutras palavras, o sufoco das máximas vai declinar um pouco, mas as mínimas vão permanecer desconfortavelmente altas. Bonés, chapéus, sombrinhas, malhas guarda-chuvas e outros acessórios vão, portanto, seguir pontuando na paisagem feirense.
A principal publicação acadêmica sobre Feira de Santana está completando 50 anos agora em 2018. Trata-se de “Feira de Santana”, do historiador norte-americano Rollie Poppino. O livro oferece um panorama abrangente sobre a História do município desde os seus primórdios, com ênfase no intervalo entre 1860 e 1950, época em que o brasilianista – assim são conhecidos os pesquisadores dos Estados Unidos interessados pelos temas brasileiros – desembarcou por aqui e realizou a pesquisa de campo para sua tese de doutorado, que originou o livro.
Provavelmente restam poucos exemplares da publicação em circulação. Tive a felicidade de encontrar um deles, em Salvador, numa livraria de shopping, anos atrás. O livro saiu pela extinta Editora Itapuã, que lançou outras publicações sobre a Bahia, privilegiando Salvador. Entre os autores da Coleção Baiana, figurava Tales de Azevedo.
“Feira de Santana” traz a marca da elevada qualidade historiográfica produzida pelos norte-americanos. O livro é repleto de dados estatísticos, referências a jornais, documentos oficiais e estudos acadêmicos produzidos sobre o município. Embora usados com generosidade, dados e informações não tornam a obra enfadonha: muito pelo contrário, a leitura é extremamente prazerosa.
O autor trafega por temas muito diversos: saúde, educação, administração pública, economia – destrinchando a incipiente indústria, a pujante pecuária e a ancestral agricultura – e arrisca-se, inclusive, traçando um interessante panorama político da Feira de Santana, à época. Estrangeiro, mostrou capacidade peculiar de captar nuanças e sutilezas da política local.
Reedição
Por suas grandes virtudes, “Feira de Santana” precisa de reedição. Desconheço outra publicação que ofereça um panorama tão abrangente e completo sobre o município. Vá lá que a historiografia mudou e que, hoje, a tendência são os recortes mais específicos, as abordagens mais focadas. Isso, porém, não invalida a importância da obra de Rollie Poppino: pelo contrário, eleva-a, confere maior destaque.
Quem, em algum momento, se interessou pela História da Feira de Santana certamente precisou recorrer à obra do “brasilianista” Rollie Poppino. Aqui nesta Tribuna Feirense, por exemplo, muitas vezes busquei o livro para, recorrendo ao passado, compreender o presente e, quiçá, tentar divisar o futuro, sinalizar suas tendências.
O Brasil atravessa uma quadra difícil: o tradicional descaso pelo conhecimento se transformou em aversão, até mesmo em ódio nos últimos tempos. Talvez defender a reedição de uma obra seja visto como despropósito por alguns e, por outros, até heresia. Mas vale a pena insistir porque, lá no futuro, talvez as trevas se dissipem: é necessário reeditar “Feira de Santana”, de Rollie Poppino.
O jornalista Jânio Rêgo, cioso das coisas da Feira de Santana, foi o primeiro a atinar para a data redonda, o cinquentenário do lançamento do livro clássico sobre o município. Aproveitamos, aqui, a lembrança e rendemos uma modesta homenagem a Rollie Poppino e à sua obra...
Ontem (23) à noite o céu da Feira de Santana foi palco de um fenômeno impressionante. Durante o entardecer imensas nuvens encardidas, observadas à distância, foram tomando a orla do céu ao norte. Quando o poente em brasa se apagou, intensos relâmpagos foram se aproximando, ganhando as bordas do céu, aparentemente se aproximando da cidade. A cada instante os raios eletrizavam o horizonte, iluminando imensas nuvens, plúmbeas, que anunciavam tempestade.
Às 19 horas o espetáculo alcançou o seu ápice: o clarão dos raios e os relâmpagos nítidos, ora azulados, ora avermelhados, projetavam-se dos lados da BR 116 Norte, clareando as cercanias. Tudo se desenrolava sob o mais absoluto silêncio: apesar da luz espalhafatosa dos raios, não se ouvia, sequer, o ribombar de um único trovão.
Completando o espetáculo – e produzindo efeito dissonante – estava a lua. Era uma meia-lua discreta, cuja luz, opaca, contrastava com a vívida luminosidade elétrica dos relâmpagos. Cortejavam-na algumas estrelas de brilho frio, burocrático. Produziam intenso – e raro – contraste no céu da Feira de Santana. Em alguns momentos pareceu que a tempestade avançaria, tangendo a lua e as estrelas de brilho tímido.
Apesar do espetáculo mudo, a cidade permanecia imersa em sua rotina, com os espaçados ruídos dos motores noturnos, o espocar esporádico de fogos, os gritos e as imprecações que ressoam, distorcidos pela distância, na tensa tranquilidade das noites citadinas. Aqui ou ali, transeuntes distraídos passavam lentos, atentos somente à luminosidade das lâmpadas elétricas dos postes.
Chuvas
Onde terá chovido? O observador atento notará que um aparente dilúvio se precipitou lá nas cercanias da BR 116. Ficaram as dúvidas: São José? Matinha? Tiquaruçu? Ou mais longe, para os lados de Tanquinho ou Santa Bárbara? Talvez ainda mais distante, quem sabe em Riachão do Jacuípe? A beleza do espetáculo atiçou o ânimo de descobrir onde aconteceu.
Depois de umas duas horas a tempestade de raios foi se deslocando e sua visibilidade se reduziu: espichou-se em direção ao noroeste, despertando novas conjecturas: talvez tenha alcançado aquela região de Bonfim de Feira, Jaguara e Morrinhos. Mas pode ter ido além, alcançando Anguera e Serra Preta? É possível.
Sites noticiosos só exibem reportagem de chuva quando acontece alguma desgraça: morre gente afogada ou arrastada, as enxurradas levam pontes, destroem rodovias, elevam em torrentes furiosas riachos que são fios d’água nas estações secas. No máximo, existem relatos lacônicos que não satisfazem a curiosidade do leitor.
Então é melhor conversar com os tabaréus lá no Centro de Abastecimento. Eles costumam vir dessas lonjuras e, quando chove, trazem a alegria estampada nas faces, nos gestos, na postura mais confiante. E informam melhor, oferecem detalhes que, às vezes, são até contaminados pelo otimismo, mas que trazem viva a força das águas e a fertilidade da terra. Magotes desses tabaréus devem aparecer, animados, ao longo dessa semana no lendária entreposto da Feira de Santana.
A Feira de Santana começa a retomar sua rotina hoje, depois do recesso carnavalesco que se estendeu por três dias no comércio. A Quarta-Feira de Cinzas é data importante no calendário católico, com suas celebrações, o almoço que exige o peixe, conforme a tradição, e o início da Quaresma. O Centro de Abastecimento e os supermercados devem registrar movimento intenso em função da data e muita gente deve acorrer ao centro da cidade para trabalhar, comprar ou resolver pendências.
Quem ficou na cidade percebeu o paradeiro e a quietude, inclusive ontem à noite, quando muita gente começou a retornar para retomar a rotina. Na televisão, houve uma cobertura intensa dos festejos, que se estende até o final de semana. Apesar da ampla cobertura, mudanças estruturais na feste seguem sendo ignoradas pela cobertura convencional.
No plano doméstico, Salvador experimenta uma mudança que vem se intensificando a cada ano. Ela implica na dramática redução dos blocos com cordas – a crise econômica deu o impulso inicial a partir de 2015, quando caiu a demanda por abadás – e no esforço pelo resgate de tradições antigas, como ir ostentando fantasia para o circuito da folia. Alguns fatores contribuíram para essa mudança de perspectiva.
Um deles é que a música feita na Bahia – a chamada “axé music” – não se renova mais. As badaladas estrelas de outrora envelheceram, depois de décadas sobre trios, animando foliões. O que restou foi o lastimável pagode, com sua musicalidade primitiva e suas letras deploráveis. Há, claro, honrosas exceções que transitam por outros gêneros, como o samba. Mas é pouco para sustentar o lucrativo businessdo passado. Esse fator – talvez o principal – alavancou a transição.
Concorrência
O declínio daquela musicalidade baiana autêntica – inspirada na ancestral cultura africana, mas influenciada pelo fervilhante Caribe– somou-se a essa derrocada. Hoje importam-se “estrelas” de outras praças para tornar mais atrativa a folia baiana. É desnecessário observar que esse repertório embalado e plastificado pelo show business encontra-se em qualquer lugar. Nem é preciso vir à Bahia para se deparar com ele.
Outro fator é a concorrência. Metrópoles que, antes, forneciam generosos fluxos turísticos para o Carnaval, passaram a investir em suas festas domésticas. São os casos de Belo Horizonte e, sobretudo, São Paulo. Fenômeno resgatado, o bloco de rua ocupa uma lacuna nesses lugares, talvez retendo muita gente que, potencialmente, poderia viajar até Salvador. Os blocos se expandiram sobretudo a partir da crise que, involuntariamente, propiciou essa experimentação.
É provável que, no médio prazo, mudanças adicionais sejam necessárias para manter a pujança da festa. Resgatar a cultura africana e suas manifestações – principalmente os blocos – é um caminho. Assim como os próprios blocos nascidos nas comunidades, que desfilavam no passado, mas que foram tragados pela lógica mercantil da indústria do Carnaval, com cordas e segregação.
Estatização
Ironicamente, nesses tempos em que se fala em privatizar tudo, a estatização do Carnaval vem se tornando tendência. Pode faltar médico em posto e professor em escola, mas não falta artista em cima de trio bancado com dinheiro público. Nem a farta propaganda na imprensa anunciando que são os governos que contratam esses artistas. Talvez em 2018 tenha sido mais intenso porque é ano eleitoral e, como todos sabem, sai-se adoidado à cata de votos.
No interior, gastam-se fortunas – para os padrões dos orçamentos locais – em festejos juninos, sob o nem sempre justificável argumento de que essas festas “atraem turistas” e “dinamizam a economia local”. Replicando esse argumento durante o Carnaval, como se vê, dá-se a sensação que a Bahia não passa de uma grande prefeitura interiorana.
Mas, apesar dos eventuais equívocos e do incessante esforço para capitalizar os méritos da festa, o Carnaval de Salvador segue se transformando, impelido pela conjuntura e pelas circunstâncias. Talvez – quem sabe – esse bafejo renovador alcance a Feira de Santana que, há muitos anos, repete uma Micareta fria e pouco atrativa para o feirense.